Os Rolling Stones, ao som de um disparo só
Texto: PEDRO DE FREITAS BRANCO
Relendo Vinyl Junkies, livro do jornalista musical Brett Milano, redescubro a narrativa de um melómano, líder de banda de rock’n’roll, que teimosamente se mantém fundamentalista do som monaural. Inevitavelmente, Monoman é o seu nome de guerra. E em cada sulco de vinil ele busca a verdade mono, quando “a música soa completa como se fosse bombeada por um único coração”.
Talvez a reedição da discografia sessentista dos Rolling Stones na versão mono, nos formatos físicos de 16 LP ou 15 CD, agora apresentada numa caixa de luxo asiático, não faça assim tanta falta no universo monolítico do protagonista de Milano – presume-se que já possua as raras prensagens originais -, porém, esta colecção mamute promete impôr-se pelo carácter definitivo e pela qualidade anunciada.
No caso da tão desejada versão em vinil, trata-se de masters analógicos meticulosamente produzidos pelo venerando engenheiro de som Bob Ludwig – corte da matriz realizado nos estúdios Abbey Road, em Londres -, cobrindo as discografias inglesa e norte-americana nas etiquetas Decca e London, respectivamente, período mais conhecido entre os fãs por “fase Brian Jones”. Do primeiro álbum The Rolling Stones (1964) a Let It Bleed (1969). E para quem ainda possa desconfiar dos méritos desta reedição, torcer o nariz diante da iminência de outra redundante e nostálgica empreitada comercial, a editora ABKCO resolveu acrescentar um livro de 48 páginas, escrito por David Fricke e ilustrado pelas históricas fotos de Terry O’Neill, e uma compilação inédita, Stray Cats, dedicada a faixas originalmente lançadas somente em single ou EP.
Por que razão devemos optar pelo mono quando podemos escutar os Rolling Stones vindos da esquerda, da direita, ou mesmo do meio, no nosso sistema stereo? A resposta é simples: o som cru e visceral dos Stones foi feito para ser experimentado num disparo só. Certeiro, conciso, capaz de provocar aquele impacto apenas crível à luz da soma indivisível das partes. Sim, é inegável que certas gravações stereo nos estúdios da Chess, em Chicago (1964-65), retêm particular magia – Down the Road Apiece, por exemplo -, tal como subtis texturas instrumentais no inventivo álbum Aftermath, todavia, trocar o mono pelo stereo em registos da intensidade de (I Can’t Get No) Satisfaction, ou Get Off of My Cloud, seria estilhaçar a essência da mais emblemática “banda de garagem” de todos os tempos.
Estas gravações vêm diretamente da era em que Brian Wilson criou Pet Sounds, indiferente à envolvência estereofónica. Em que o lendário produtor Phil Spector resistiu à tecnologia emergente, celebrando o lema “back to mono”. Ou seja, ouvir hoje os Rolling Stones em mono é como regressar a outra vida, à adolescência dos anos 60, ao tempo em que se ligava o rádio e 19th Nervous Breakdown explodia na onda média. É ouvir os Stones no contexto perfeito.
Pois, era num tempo em q os Rolling Stones eram ainda ostracizados e secundaríamos nas nossas rádios em contraponto aos Beatles – dos quais diziam, pasme-se, q eram apenas uns imitadores recorrentes -, Beach Boys e até aos Shadows (incrível). O tempo mais uma vez provou o contrário.
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