“Emancipation”: uma (tripla) declaração de independência
Texto: NUNO GALOPIM
Apesar de haver ainda um disco entregue à editora que antes o representava (e que seria só editado uns anos depois), a edição da banda sonora de Girl 6 e do álbum de estúdio Chaos & Disorder assinalou, em 1996, o momento da concretização da separação de caminhos entre Prince e a Warner após 18 anos de vida conjunta. Mas, mais do que esses dois discos que representavam parte do cumprimento das obrigações determinadas nas negociações que conduziram à separação, coube a um novo álbum de estúdio a afirmação de que, agora, o seu caminho estava nas suas mãos. E Prince não o fez por menos, lançando (ainda em 1996) um álbum triplo, concretizando assim o desejo outrora manifestado quando quisera editar Crystal Ball na segunda metade dos anos 80, projeto que recebera então um não da editora. Chamando muito sugestivamente Emancipation ao novo disco, apresentava então um corpo conjunto de 36 canções, que correspondiam a três horas de música gravada fazendo deste o álbum de estúdio mais longo da história.
De difícil digestão imediata, o álbum na verdade apresenta uma estrutura arrumada temática e esteticamente. O CD 1 guarda as peças mais la linha central das vivências pop (e seus diálogos) que há muito definiam um dos trilhos principais da obra de Prince, não surpreendendo que o single de apresentação, Betcha By Golly Wow (versão de um original de 1972 dos Stylistics) tenha sido extraído deste disco que abre o alinhamento. O CD2 é um ciclo de cações criadas como expressão do momento de felicidade que Prince passava após o seu casamento com Mayte Garcia (ocorrido em fevereiro desse ano) e do facto de estarem a esperar um filho (que morreria contudo pouco antes do lançamento do álbum, mas cuja batida cardíaca fora gravada numa consulta e usada em Sex in The Summer, que abre o segundo disco). Apesar das características eminentemente pop, a canção The Holy River, que foi o segundo single extraído do álbum, foi arrumada no CD2 mais pelas suas características temáticas do que pelas formas musicais a que recorre. Já o CD3 é um verdadeiro festim dançante, dominado pelo funk e por uma inesperada incursão de Prince pelos territórios da house.
Emancipation é um disco de grande fôlego e um dos melhores que Prince lançou nos anos 90, não repetindo contudo (como nenhum dos seus discos desta década), o patamar dos álbuns editados entre 1989 e 1987. A sua identidade como obra conceptual não significou um afunilamento das opções estéticas, conseguindo o disco ser até um dos mais estilisticamente diversificados da obra de Prince, caminhando desde os ambientes jazzy de Courtin’ Time (que bem que podia ter sido um single) ao flirt eletro em New World ou o hip hop em Da Da Da.
Outra das características mais interessantes de um álbum pensado com vistas largas é a abertura do alinhamento a diversas versões surgindo, além do single com a canção dos Stylistics, leituras de Prince para temas como La La La Means I Love You dos Delfonics, I Can’t Make You Love Me de Bonnie Riatt, What Can I Do de Ice Cube, ou One Of Us, que foi êxito global por Joane Osburne. E depois, há uma discreta, mas assinalável, presença de Kate Bush em My Computer.
Lançado numa festa em Paisley Park que convocou media e editores de todo o mundo (com uma atuação ao vivo transmitida em direto para a MTV), o álbum assinalou o inicio de uma nova forma de trabalhar os lançamentos de discos que Prince tomou por norma daí em diante. Neste novo quadro de negócio caberia a ele os custos de gravação e da criação dos materiais promocionais cabendo à editora com a qual chegasse a acordo para cada novo disco a tarefa de assegurar a distribuição do disco nos vários territórios. Aclamado pela crítica e conseguindo vendas assinaláveis (embora sem replicar as de sucessos anteriores), Emancipation, que foi editado ainda sob o nome 0{->, não podia ter dado a Prince melhor estreia para esta nova etapa da sua carreira discográfica.
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