A banda sonora que marcou uma geração
Texto: NUNO GALOPIM
Danny Boyle está de regresso ao universo do filme culturalmente mais marcante da sua obra (até aqui) ao assinar a realização de uma sequela de Trainspotting que chega aos ecrãs de cinema no início do ano novo. Tal como o filme original, baseado no livro homónimo de Irvine Welsh, o novo Trainspotting 2 voltará a ter o escritor no centro da narrativa, já que o argumento é baseado em Porno, outro dos seus romances. Assim, em breve, voltaremos a encontrar as figuras de Mark “Rent-Boy” Rentony (interpretado por Ewan McGregor), Daniel “Spud” Murphy (Ewem Brenmer), David “Sick Boy” Williamson (Johnny Lee Miller) e Begbie (Robert Carlyle), um quarteto de grande impacte na cultura pop dos anos 90, protagonistas de uma narrativa que nos levou às highlands escocesas num quadro narrativo no qual drogas e delinquência marcam cenas de um quotidiano que tenta vencer o tédio. O filme, que traduziu ainda uma das mais importantes representações no cinema da disseminação do vírus VIH entre toxicodependentes, marcou também a cultura dos anos 90 por uma banda sonora absolutamente notável.
Se, poucos anos antes, filmes como Assassinos Natos de Oliver Stone e Pulp Fiction de Quentin Tarantino tinham colocado no mapa duas bandas sonoras essencialmente feitas da reunião de várias canções que, depois do filme, conheceram expressiva vida em disco, então coube a Trainspotting, em 1996, encerrar essa santíssima trindade pop/rock a favor da sétima arte dos noventas, e com o valor acrescentado de juntar às canções “colhidas” entre a melhor safra recente, uma mão-cheia de temas inéditos expressamente criados para o filme. E sabe bem que, antes de vermos o novo filme (e de saber que relação com a música viverá), reencontrar a banda sonora de há 20 anos numa edição especial e vini… Cor de laranja… Porque era essa a cor que interagia com o preto e o branco nos materiais gráficos usados na promoção do filme original.
A música de Trainspotting traduz vários diálogos fundamentais. Um deles feito entre o rock e a música de dança. O outro entre a expressão (então recente) da euforia brit pop e a memória (ainda presente), de uma descoberta de um outro viço renovado que a club culture podia dar ao rock’n’roll. Em terceiro, um jogo de contrastes entre paisagens mais ambientais e momentos de fulgor ritmado e elétrico. E, em último, aquele que se desenhava entre o passado e o presente, colocando lado a lado temas como Perfect Day de Lou Reed, Nightclubbing de Iggy Pop (num tema composto em parceria com Bowie), Temptation dos New Order ou Deep Blue Day (do belíssimo álbum Apollo) de Brian Eno, ao lado de peças mais recentes como 2:1 das Elastica, uma versão de Atomic (dos Blondie) pelos Sleeper ou A Final Hit dos Leftfield.
São aqui jóias da coroa o espantoso Trainspotting, que é talvez o tema dos Primal Scream que mais de perto traduziu as heranças de Screamadelica e Closet Romantic, a primeira experiência a solo de Damon Albarn, numa construção afastada do que era então o som dos Blur (aqui representados com Sing, do álbum Leisure, de 1991), que fazia adivinhar o que, algum tempo depois, exploraria em várias frentes do seu trabalho.
Vale a pena assinalar o lado de cronistas da vida britânica que os Pulp tinham numa altura em que editavam Different Class (lançado um ano antes do filme), aos quais Trainspotting resgata (com mestria) o tema Mile End que, mesmo refletindo sobre um bairro londrino (onde então vivia Danny Boyle), na verdade podia estar a falar da cidade de Edimburgo que serve de cenário ao filme.
A nossa memória associa contudo a Trainspotting dois temas que, nascidos antes, ali ganharam nova vida e ao filme acabaram inevitavelmente associados. Um deles é Lust For Life, um dos clássicos de Iggy Pop dos tempos das suas parcerias com David Bowie. O outro, que através do filme ganhou um lugar de relevo ainda maior na cultura dos noventas, é Born Slippy, dos Underworld (originalmente lançado como single em janeiro de 1995), que se fez aqui banda sonora para sonhos de escapismo afinal possíveis mesmo quando tudo à volta está assombrado.
Ninguém, que vivesse a sua juventude nos anos 90 ficou imune a este filme… E mesmo que não alinhasse pelo cinema de Danny Bolye, reagiu certamente a esta banda sonora. Poucos discos nascidos com música feita para o cinema dos noventas tiveram impacte como esta banda sonora (tanto que houve ainda um volume dois, embora cultural, musical e comercialmente menos marcante).
Vários Artistas
“Trainspotting”
LP duplo, Parlophone / Warner
★★★★★
O Born Slippy marcou um ponto de viragem no meu próprio gosto musical, até aí mais virado para ambientes mais “metalizados”. Mítica essa banda sonora. 🙂
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