E esta foi a melhor surpresa da música portuguesa em 2016
Texto: NUNO GALOPIM
A vitalidade de um tempo e um lugar na história da música mede-se, entre vários indicadores, pela capacidade de sermos surpreendidos por algo novo que entra em cena. E se, depois do relativo deserto, com raras exceções, da segunda metade dos noventas e da aurora do milénio, uma multidão de nomes e ideias entraram em cena – bem longe do espetro definido pelos modelos de programas de talentos, entenda-se – a verdade é que do gosto pelo diálogo e colaboração estabelecido entre esta nova geração de músicos (que lembra mais hábitos da canção popular dos setentas do que dos modos de trabalhar da alvorada de uma nova cultura pop/rock nos oitentas) continuam a brotar boas surpresas. E a melhor de todas elas, em 2016, foi a estreia em disco, e em nome próprio, de Joana Barra Vaz.
Mergulho em Loba é um disco tão sedutor como intrigante. É daqueles que nos intriga a um primeiro encontro e, depois, aos poucos, se vai revelando… Traz uma dimensão exploratória que, como em tempos havia na Banda do Casaco, é a de quem sonha poder juntar ideias e linhas com a curiosidade de observar os diálogos que dali possam nascer. Há assim geografias (as dos mapas das culturas musicais e as das fontes sonoras) em rota de descobrimento por estes lados. E há uma forma de abordar o mar como tema que é natural entre quem nasceu numa cultura que o tem no DNA, mas sem resvalar nunca para a maresia lusitana à la Galo de Barcelos. Pelo contrário, o mar está aqui como expressão natural de todo um quadro de vivências, memórias e referências que passam por livros (como os de Italo Calvino) ou por músicos admirados (como George Harrisson). \
Há aqui um saber na construção de canções que sabem valorizar a dimensão dos arranjos, que nos transportam para fora das fronteiras mais habituais dos géneros e que, ao nos deixar (a princípio) algo perdidos, nos leva a obrigar novamente nas canções para nelas encontrar um caminho. Há um ensejo em moldar as cores e os timbres dos instrumentos num alinhamento – que inclui três suites – que desenha um caminho. Há mais uma magnífica expressão do enorme talento vocal de Selma Uamusse (que canta em Tanto Faz). E há um relacionamento com África que traduz, como em tempos o mostrou tão bem José Afonso, uma expressão natural de uma música que pode ter nascido na Europa, mas que há muito começou a assimilar ideias vindas de mais além. E África está entre esses mergulhos que nos fazem ser quem somos.
“Mergulho em Loba”, de Joana Barra Vaz, está disponível em CD em edição Bi-Du-Á
Não conhecia, parece um disco de sonoridade bem bonita… Vou ouvir melhor.
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