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Os melhores discos de 2016, por Nuno Galopim

Texto: NUNO GALOPIM

Seleções em várias áreas: pop/rock (e no fundo as demais periferias da produção popular no plano internacional), música portuguesa, jazz, clássica (na verdade é mais a contemporânea) e bandas sonoras… Em listas de top 10 como mandam as regras.

Há uma sensação estranha no momento de fazer as contas a 2016. É que, quando se chega a esta época do ano (e quem gosta de listas sabe disso), é habitualmente da soma de boas memórias que vive o balanço que vamos construindo. Pois a aritmética de 2016 sugere mais a subtração do que a adição. E o adeus a três referências maiores da cultura popular, e falo de David Bowie, de Prince, de Leonard Cohen, acaba por ser peça que quase mais pesa do que as contribuições que, em várias frentes da invenção musical, nos chegaram aos ouvidos ao longo do ano.

Todos eles, curiosamente, tiveram novos discos este ano (o de Prince na verdade tinha já surgido em formato digital, mas apenas num serviço, pelo que foi este ano que se fez ouvir melhor). Dois deles sugeriam já programas de despedida anunciada. Mas num deles não demos por nada até que, dois dias depois do lançamento do disco, a notícia que assombrou o mundo nessa manhã de 10 de janeiro nos deixou saber afinal do que falava David Bowie em Blackstar… E é talvez por aí que devemos começar a recordar o que de melhor temos a recordar dos discos que 2016 colocou na história destes 12 meses de edições.

Pop/rock

Desta vez foi diferente, sem a surpresa a acordar-nos na manhã do seu aniversário. O dia do mês era o mesmo: 8 de janeiro. Mas ao contrário do que havia acontecido em 2013, quando o mundo despertou nessa manhã descobrindo que, após dez anos de silêncio, havia uma nova canção de David Bowie e que um álbum novo chegaria e março (gravado durante dois anos em Nova Iorque, em plena era do microblogging e sem que ninguém desse por isso), era chegado um novo disco do qual começámos a juntar peças aos poucos e que revelava aquele que era o seu álbum mais inventivo desde os tempos em que a cidade de Berlim vivia associada aos seus discos (se bem que só Heroes lá tenha nascido por inteiro). Mas mal imaginávamos, quando o estávamos a escutar pela primeira vez, o que na verdade ele guardava em si… Já tínhamos escutado sinais de reencontro de Bowie com o jazz nos dois temas do single que tinha editado em 2014, gravado com a orquestra de Maria Schneider. Depois, em finais de 2015, os temas Blackstar e Lazarus tinham lançados sinais encorajadores de que um Bowie mais negro, mas também mais inspirado, estaria a definir os contornos de um grande disco. Foi de facto um grande disco. Mas também uma carta de despedida, como poucas vezes um artista sabe deixar para quem ficar para a ler… Ou ouvir.

Curiosamente outro disco maior de 2016 falava também de morte. Mas neste caso tratava-se da lamentação de um pai pela perda de um filho, fazendo de Skeleton Tree um dos melhores momentos da obra de Nick Cave com os Bad Seeds. A lista dos dez álbuns pop/rock (e periferias) do ano inclui ainda, em destaque, a proposta de uma nova canção eletrónica, angulosa e política, de Anohni, a visão de uma compositora (Anna Meredith) que derruba barreiras entre a música orquestral e a eletrónica e ainda o registo ao vivo do espetáculo que Kate Bush levou a palco em 2014 e que é dos raros álbuns live que justificam os euros que por ele nos pedirem. Na segunda metade do top 10 há mais um exemplo de excelência pop pelos Pet Shop Boys, um regresso de Paul Simon aos desafios sonoros e geográficos antes levantados em Graceland ou Rhythm of Saints, o reencontro (que já tardava) dos Avalanches com os discos, um segundo opus, mais sombrio, de C Duncan e ainda o disco que mostra como os Radiohead brilham quando arrumam bem as suas ideias.

1 David Bowie, “Blackstar”
2 Nick Cave and The Bad Seeds “Skeleton Tree”
3 Anohni “Hoplessness”
4 Anna Meredith “Varmints”
5 The K Fellowship (Kate Bush) “Before The Dawn”
6 Pet Shop Boys “Super”
7 Paul Simon “Stranger To Stranger”
8 The Avalanches “Wildflower”
9 C Duncan “The Midnight Sun”
10 Radiohead “A Moon Shaped Pool”

Música portuguesa

A vitalidade de um tempo e um lugar na história da música mede-se, entre vários indicadores, pela capacidade de sermos surpreendidos por algo novo que entra em cena. E se, depois do relativo deserto, com raras exceções, da segunda metade dos noventas e da aurora do milénio, uma multidão de nomes e ideias entraram em cena – bem longe do espetro definido pelos modelos de programas de talentos, entenda-se – a verdade é que do gosto pelo diálogo e colaboração estabelecido entre esta nova geração de músicos (que lembra mais hábitos da canção popular dos setentas do que dos modos de trabalhar da alvorada de uma nova cultura pop/rock nos oitentas) continuam a brotar boas surpresas. E a melhor de todas elas, em 2016, foi a estreia em disco, e em nome próprio, de Joana Barra Vaz. Mergulho em Loba é um disco tão sedutor como intrigante. É daqueles que nos intriga a um primeiro encontro e, depois, aos poucos, se vai revelando… Traz uma dimensão exploratória que, como em tempos havia na Banda do Casaco, é a de quem sonha poder juntar ideias e linhas com a curiosidade de observar os diálogos que dali possam nascer. Este, e os nove que se seguem nesta lista, são dos títulos que mais gostei de ouvir este ano. Entre surpresas, confirmações… E bons reencontros.

1 Joana Barra Vaz “Mergulho em Loba”
2 Samuel Úria “Carga de Ombro”
3 Noiserv “00.00.00.00”
4 Rita Redshoes “Her”
5 Capicua + Pedro Geraldes “Mão Verde”
6 You Can’t Win Charlie Brown “Marrow”
7 SirAiva “Gentleman Takes Polaroids”
8 Mesa “Loner”
9 Alek Rein “Mirror Lane”
10 Cristina Branco “Menina”

Clássica e jazz

As caixas antológicas tornaram-se numa das peças mais seguras do mapa editorial em 2016. E se nos terrenos pop/rock houve casos notáveis com os Pink Floyd, David Bowie ou mais recentemente os Rolling Stones (entre muitos outros), no universo da música clássica a coisa não se faz por menos. Segundo dados recentemente revelados pela revista Billboard, o disco mais vendido do ano em suporte de CD foi até uma caixa de discos de gravações de obras de Mozart. Note-se que contabilidade soma ali cada CD de cada caixa e não o número absoluto de caixas. Mas mesmo assim esse é um dado significativo, que diz muito dos comportamentos atuais do mercado, que revelam um aumento significativo do streaming, um crescimento também notório no vinil (em espaços de nicho) e uma queda abrupta no CD. Onde resiste o CD? Em terrenos como a clássica e o jazz… E é precisamente com uma caixa que recordo o que de melhor estes espaços me deram a escutar (ou, antes, a reencontrar) em 2016, numa antologia que junta num cubo toda a dioscografia que Philip Glass gravou para a CBS (hoje em dia Sony Music). Estão ali não só as três óperas-retrato com as quais conquistou um estatuto de referência no panorama do teatro musical e ajudou a renovar públicos nas salas de ópera, discos como The Photographer ou Dancepieces que recordam sinais de importante ligação com o universo da dança ou ainda álbuns como Glassworks ou Solo Piano, que representaram momentos de relacionamento do compositor com o formato do álbum.

1. Philip Glass “The Complete Sony Recordings”
2. Erik Satie – Tamar Halpberin, “Satie Album”
3. Claude Debussy – M. Tilson Thomas / San Francisco Symphony “Images, Jeux & La Plus Que Lente”
4. Joshua Redman & Brad Mehldau “Nearness”
5. Eleni Karaindrou – “David”
6. John Adams – D. Robertson, L. Josefowicz, St Louis Symphony “Scheherazade.2”
7. Keith Jarrett “A Multitude Of Angels”
8. Vários compositores, Murcof x Vanessa Wagner “Statea”
9. Charlie Haden / Liberation Music Orchestra, “Time Life”
10. Steve Reich, “The ECM Recordings”

Música para cinema

A chegada de um compositor ao catálogo de uma etiqueta como a Deutsche Grammophon carrega todo um conjunto de significados, entre os quais passa uma leitura natural do alcançar de um certo patamar de notoriedade. Para o islandês Jóhánn Jóhannsson, que há muito não vive no seu país, mas não esquece a importância que certas vivências ali passadas tiveram na sua formação como indivíduo e músico, este reconhecimento não cai do céu. Estamos perante alguém que, aos 47 anos, tem uma obra já extensa tanto na criação de música para discos (com marcante passagem pelo catálogo da 4AD Records) como para o cinema (onde tem obra assinalada desde a viragem do século). É por isso interessante ver como o momento da chegada a uma “casa” maior como o é a Deutsche Grammophon, o tenha feito com dois álbuns de edição quase simultânea, um deles reforçando a demanda de uma voz autoral mais lírica e pessoal, o outro revelando a música que compôs para Primeiro Encontro, filme de Dennis Villeneuve. Naquela que é a terceira colaboração de Jóhann Jóhansson com o realizador – para quem já havia feito música para Raptadas e Sicário e com quem em breve trabalhará em Blade Runner 2049 – o compositor terá certamente lembrado o papel que a música (de John Williams) teve no histórico Encontros Imediatos de Terceiro Grau (1977), de Steven Spielberg. Sem fazer da música o veículo da comunicação, mas nela encontrando forma de expressar a estranheza do primeiro encontro e do choque linguístico com uma cultura alienígena, a banda sonora cruza a orquestra com o recurso à criação de loops e junta uma presença protagonista de vozes, gravadas em colaboração com Paul Hillier e o seu ensemble. Sendo o filme uma história em que a tentativa de descodificação de uma linguagem alienígena é determinante, o compositor optou aqui por não usar palavras, mas apenas entoações. Pensada com novos arranjos e um alinhamento diferente da usada no filme, a música que Jóhann Jóhannsson criou para The Arrival dá-lhe um dos seus melhores discos.

1 Johann Johánsson “Arrival”
2 Nick Cave e Warren Ellis “Mars”
3 Stomu Yamash’ta e outros “The Man Who Fell To Earth”
4 Scott Walker “The Childhood of a Leader”
5 David Bowie “Lazarus”
6 The Beatles “Eight Days a Week”
7 Nicholas Britell “Moonlight”
8 Atticus Ross, Leopold Ross e Bobby Krlic, “Almost Holy”
9 Philip Glass “The Crubible”
10 Ryuichi Sakamoto “Music For Film”

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