Língua e voz de mãe
Texto: DANIEL BARRADAS
De entre as pérolas musicais escandinavas, um dos nomes injustamente menos conhecido fora destas terras é o da norueguesa Rebekka Karijord. Embora com afinidades com Ane Brun, pelo facto de ambas serem norueguesas residentes na Suécia e gerirem as suas próprias editoras, se aproximarem no timbre vocal e nalguns momentos de composição, o facto é que Karijord tem tido uma carreira bem mais discreta fora de portas do que a sua conterrânea. Mas talvez o lançamento do seu sexto álbum seja agora a altura ideal para colmatar essa falha.
Mother tongue sucede a We become ourselves de 2013 e os quatro anos que ficaram pelo meio fazem toda a diferença. Se We become ourselves já tinha sido uma excelente obra, todo o trabalho de peças orquestrais para teatro e filme que Karijord desenvolveu entretanto revelam agora o seu impacto.
Mother tongue abre com uma versão vocal de Morula, uma das peças compiladas em Music for film and theater (2014), e é o perfeito exemplo de como uma composição originalmente electrónica ganha outra carga emocional quando interpretada acapella. Os instrumentos surgem pouco depois, usados para sublinhar emoções e criar ambientes. É o perfeito cartão de visita para um álbum feito de coração na mão e emoção crua na voz, mas solidamente apoiado na habilidade de muitos anos de composição e arranjos orquestrais.
Mother tongue foi escrito ao redor do nascimento prematuro da primeira filha de Karijord e ela transpõe para cada canção pequenas histórias da sua experiência pré e pós-parto. Uma das mais incríveis talvez seja Six careful hands em que, numa canção de embalar, ela descreve à sua filha a experiência de a poder tocar pela primeira vez:
“They lift you to my skin,
they touch your breathing tubes,
it takes six careful hands
out of your plastic womb…”
No entanto, o álbum está bem longe de se render ao facilitismo emocional e Karijord, para além de explorar poeticamente a sua experiência e reflectir sobre ela, faz também um excelente trabalho na exploração do formato canção e nas texturas de arranjos e orquestrações.
A sua voz entra em metamorfoses que evocam ecos de outras cantoras, seja a já nomeada Ane Brun, ou também Sinead O’Connor, Enya ou Jenny Wilson. Karijord consegue conjurar na sua voz todo um universo feminino, que pode ir da ternura de uma mãe protectora à coragem de uma amazona.
Mausoleum, interpretado por um coro feminino, encerra com chave de ouro um album coeso e relevante do princípio ao fim, capaz de nos levar numa viagem sonora por uma paisagem íntima mas com ressonâncias universais.
“Mother Tongue”, de Rebekka Karijord, é uma edição da Control Freak Kitten Records ★★★★
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