“Construction Time Again”: novas visões pop com sabor industrial
Texto: NUNO GALOPIM
Depois de, durante meses a fio, ter acompanhado os elementos da banda em concertos, aparições televisivas e até mesmo em telediscos, Alan Wilder era finalmente integrado como parte dos Depeche Mode em 1983, assinalando-se a sua chegada com a edição, logo em janeiro, de um single que representava mais um episódio no processo de gradual afastamento das coordenadas originais numa altura em que Vince Clarke preparava um segundo álbum com os Yazoo (que seria o derradeiro disco de estúdio da sua parceria com Alison Moyet). Tal como Os Yazoo o tinham feito poucas semanas antes com The Meaning Of Love, também o novo single dos Depeche Mode, Get The Balance Right, seria um episódio de transição sem representação, depois, no alinhamento do álbum seguinte. E se a canção que dava título ao single aprofundava a clareza realista de um discurso mais político, já o lado B – The Great Outdoors – chamava atenção na sua autoria. Tratando-se de uma colaboração na escrita entre Martin Gore e Alan Wilder este tema deixava claro que uma outra força criativa estava a nascer dentro do grupo e que, assim sendo, o futuro não seria apenas construído pelas visões daquele que fora chamado a ocupar o lugar de maior destaque na escrita originalmente tomado por Vince Clarke.
A entrada em cena de Alan Wilder juntou à sonoridade dos Depeche Mode um incansável experimentador e arranjador que, em conjunto com a escrita (maioritariamente assinada por Martin Gore) e as qualidades performativas de Dave Gahan permitiram encontrar um rumo que os levaria à criação de uma sucessão de álbuns que os elevaria do estatuto de promissora presença entre a primeira geração da pop eletrónica made in UK a um patamar de dimensão global. Mas antes de lá chegados mantiveram um trilho que visou a demarcação de uma linguagem própria e que teve no álbum Construction Time Again um primeiro episódio de evidente afirmação.
Há um momento importante na definição da alma deste terceiro álbum: um concerto dos Einsturzende Neubaten no Instituto das Artes, em Londres. Martin Gore estava na plateia e assimila ali a descoberta de novas demandas no som, nomeadamente a exploração de tonalidades industriais sobretudo acentuadas pela percussão de metais. Essa dimensão “operária” ganha depois expressão num álbum politicamente mais intenso no qual as temáticas do trabalho (como é evidente, por exemplo, em Pipeline) e da ecologia vincam um posicionamento ideológico que contrasta com a pose essencialmente hedonista então em voga entre muitos dos seus contemporâneos. A imagem usada na capa (e que rimava com as escolhidas para os singles) vincava desde logo essa dimensão política, tomando o martelo como o símbolo de trabalho aqui chamado a uma iconografia pop.
Entre a percussão real de elementos metálicos – que chegaria inclusivamente a ganhar expressão em palco – e a definição de um corpo sonoro o qual o trabalho rítmico revela maiores cuidados do que outrora surgem elementos de uma arquitetura mais sólida pela qual as canções acolhem arranjos igualmente mais elaborados. Na verdade a evolução das qualidades musicais é aqui bem mais evidente do que a lírica, mostrando The Landscape Is Changing tanto ingenuidade como boas intenções, sendo no fim todo o edifício suportado por um magnífico trabalho no som que concilia aqui, como em vários outros momentos do disco, o melodismo pop e um novo discurso rítmico industrial com uma noção de ambiente e espaço à sua volta.
O álbum teve como cartão de visita o single Everything Counts que vinco desde logo a maior complexidade de elementos em jogo, conciliando as vozes de Dave Gahan e Martin Gore num espaço comum, sugerindo um contraste que representa mesmo uma das qualidades maiores de uma canção que rapidamente se tornou num êxito e hoje é um clássico maior de toda a discografia do grupo.
Como segundo single foi escolhido (e igualmente bem) o mais anguloso Love In Itself, já editado depois do álbum e, por isso, um bom veículo para acentuar as visões industriais que o grupo aqui definia. Que, longe ainda do negrume que anos depois emergiria em Black Celebration, era mesmo assim coisa luminosa e ainda algo leve.
Apenas para efeitos promocionais o tema Told You So, claramente mais pop e festivo, mas com marcas do som que trespassa todo o álbum, chegou a surgir numa edição promo em Espanha, acompanhando então a digressão local de 1984. O single, com a mesma canção dos dois lados – e com o título traduzido Te Lo Dije Así – é peça para colecionadores que pode alcançar preços já consideráveis.
Entre o alinhamento do disco vale a pena notar a presença de primeiros sinais de busca de inspiração em mergulhos entre caminhos mais pessoais por Martin Gore (que se revelam em temas como And Then… ou Shame) e uma exposição da escrita de Alan Wilder em Two Minute Warning. Um epílogo, com um reprise de elementos de Everything Counts, sublinhava não apenas o design do álbum como uma peça mais concetual, como vincava o protagonismo do primeiro single, antecipando até o momento de longa repetição das notas finais que depois faria escola ao vivo.
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