“Some Great Reward”: quando os Depeche Mode encontram o seu caminho
Texto: NUNO GALOPIM
Se o álbum de 1982 A Broken Frame havia assinalado o início de uma demanda de novos caminhos (causada pela saída de Vince Clarke e o consequente assumir das responsabilidades de escrita por Martin Gore) e, depois, em Construction Time Again (1983) o grupo encontrara os trilhos certos para uma nova identidade a quatro (dada também a entrada em cena, oficial, de Alan Wilder), coube na verdade ao álbum de 1984 Some Great Reward o momento eureka que lhes permitiu encontrar um terreno seu e sólido, o que teve imediatas consequências numa expansão da sua música a novas frentes e novos públicos.
Que não haja aqui a noção de que, antes de Some Great Reward, o grupo era uma banda algo desnorteada. Até porque, não só ajudara a definir a identidade de uma nova pop eletrónica made in UK com os seus primeiros singles e, entre os temas do mais político Construction Time Again havia já momentos de grande inspiração (incluindo Everything Counts, um dos seus clássicos maiores). Mas a verdade é que coube ao álbum de 1984 o momento em que o grupo definiu um corpo de canções com uma identidade conjunta que expressava não só o encontrar de caminhos na composição (tanto na música como nos temas abordados pelas letras) como achava um espaço de abordagem sónica peculiar: mais tenso, escuro, anguloso e industrial, embora sem perder a carga apelativa do melodismo pop.
People are People foi editado alguns meses antes do álbum como single de apresentação. Desde logo assinalava a presença de uma música mais descarnada, mais metálica, insistente na relação da voz com um mundo de sons dominado pelas percussões. Consideravelmente diferente do que a banda até então tinha mostrado, o single cativou opiniões favoráveis, dando aos Depeche Mode o número um na Alemanha (iniciando uma relação de grande proximidade com o público local), o seu melhor resultado até então no Reino Unido (subindo ao número 4) e uma primeira entrada na tabela norte-americana. O impacte do single nos EUA levou inclusivamente a Sire Records (que os representava ali) a editar uma compilação – à qual chamou simplesmente People Are People – na qual juntou temas dos álbuns de 1982, 1983, lados B e, claro, o novo single.
Em agosto de 1984 o single Master & Servant mostrava uma abordagem mais pop às linguagens reveladas em People Are People propondo, contudo, uma jogada arriscada no plano da temática da letra que, de todo, era coisa na linha do material que habitava os êxitos pop juvenis de então. Em conjunto estes dois singles abriram caminho para um álbum que explorou esta identidade sonora num conjunto de composições que assinalavam o encontrar de uma personalidade na escrita de Martin Gore e que, num dos temas – If You Want – abria igualmente espaço à voz criativa de Alan Wilder.
Além das canções mais intensas e vincadas pelo discurso das percussões de tonalidade industrial o álbum abriu espaço a alguns momentos mais introspetivos e íntimos. E coube curiosamente ao par de canções Blasphemous Rumours / Somebody (esta última cantada pelo próprio Martin Gore, que dá também voz a It Doesn’t Matter) o papel de ser o terceiro single, assinalando que nem só de um discurso mais dançável e ritmado vivia a obra de um grupo que finalmente encontrara o seu caminho sonoro. Ao vermos os telediscos que acompanhavam estes singles sentíamos, mesmo assim, que lhes faltava ainda encontrar uma personalidade na imagem (o que só aconteceria um pouco mais adiante).
Desta etapa data a primeira gravação ao vivo dos Depeche Mode que sublinhavam assim o achar de um caminho mais pessoal ao afirmar-se igualmente como uma força de palco. Gravado em dezembro de 1984 e editado em cassetes vídeo (VHS e Beta) e laserdisc em 1985, The World We Live In and Live in Hamburg é um belíssimo retrato de uma banda que anunciava já ali que estava pronta para desafios maiores.
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