Últimas notícias

Futuros próximos

Texto: DANIEL BARRADAS

Estão anunciadas adaptações ao cinema de duas relevantes obras literárias da ficção científica contemporânea. Especulemos um pouco sobre o que aí vem…

Hollywood não tem exactamente um currículo exemplar de se manter a par com a inovação que acontece na literatura de ficção científica mas, numa paisagem dominada pelas fantasias delirantes da Guerra das Estrelas ou pelos inúmeros super-heróis de variável grau de espacialidade, foi bom ver em 2016 que um filme como Arrival ainda tem aquele poder de nos confrontar com o futuro e a identidade de espécie que é tão intelectualmente estimulante e característica intríseca da “boa” ficção científica.

Para 2017/18, já filmado mas ainda sem data de estreia confirmada, podemos contar com Annihillation. Baseado no romance homónimo de Jeff Vandermeer, esta será a segunda volta do escritor Alex Garland na cadeira de realizador depois do bem acolhido Ex Machina e contará com as actrizes Natalie Portman e Jennifer Jason Leigh nos papéis principais. Ou seja, com nomes destes, espera-se tudo de bom.

Annihillation é o primeiro volume da trilogia “Area X: The Southern Reach trilogy”. Jeff Vandermeer para além de ser um escritor de grande erudição e qualidade literária, tem-se destacado no campo da ficção científica pelo seu foco na relação entre a humanidade e a natureza. Ele tem sabido explorar como ninguém o fascínio/terror que o “natural” provoca no humano, a aversão que temos por exemplo a fungos, a tudo o que é necrófago, ao que associamos a animal, irracional e instintivo. Basicamente, ao pânico que provoca a falta de controle que sentimos não só enquanto indivíduos mas também enquanto espécie, face a processos biológicos ou ecossistemas que estão para lá da nossa compreensão. Para ele, o que de mais alienígena existe está no próprio planeta Terra, muitas vezes devido a um desfazamento entre o que é a experiência cerebral do indivíduo humano e a “verdadeira vida” de todo um ecossistema.

Na aclamada trilogia “Area X”, Vandermeer presta homenagem a grandes momentos da literatura de ficção científica, nomeadamente a elementos retirados directamente de Stalker e Solaris, ambos adaptados ao cinema por Andrei Tarkovsky. E o próprio livro de Annihilation é como um filme de Tarkovsky: lento, simbólico, meditativo e perturbador.

Area X é o nome dado a uma porção de terra que, por motivos desconhecidos, se alienou do resto do território. Por “alienou” querer-se-á dizer talvez, se tornou “estranha”. O governo envia com alguma regularidade expedições ao interior da Area X, mas poucos são os que regressam, e quem regressa, fica-se eventualmente a saber, é afinal uma cópia.

Em Annihilation seguimos uma expedição governamental de quatro mulheres ao interior da Area X. Uma bióloga, uma psicóloga, uma antropóloga e uma topógrafa. A sua primeira impressão de estranheza à Área X será a sensação exótica de entrar numa natureza em tudo normal mas completamente “intocada”, como se o mundo humano não existisse. Tanto assim que o ambiente irá “reagir” aos humanos que aí entram… O resultado é uma viagem/expedição quase alegórica que funciona ao nível de um sonho/pesadelo onde tudo parece simultaneamente simbólico/relevante e mundano/inconsequente.

Ainda ninguém explicitou sobre se esta adaptação se limita ao primeiro volume da trilogia ou se haverá mais filmes mas, tendo em conta a especial estrutura narrativa da trilogia e olhando para o elenco do filme, o mais provável é que a adaptação seja centrada nos acontecimentos do primeiro volume, mas talvez indo buscar elementos ao segundo e terceiro de modo a talvez poder fechar a linha narrativa. Certamente ficarão de fora algumas partes da história e do universo do Southern Reach (o instituto governamental que investiga a Area X) mas, para uma adaptação cinematográfica, são perfeitamente dispensáveis.

Sobre o primeiro visionamento do filme, escreveu Vandermeer a semana passada na sua conta de Facebook:

“Então sim, vi o filme de Annihilation. Não tenho a certeza do que me deixam dizer sobre ele, por isso serei simples… ainda estou a processar os meus pensamentos e sentimentos. Posso dizer-vos que vos irá rebentar as mentes, é surreal, extremamente belo, extremamente horrífico e deixou-nos tão tensos que depois de o ver os nossos corpos ficaram doídos como se tivéssemos levado uma sova.”

Pronto, para Annihilation, temos a fasquia de expectativa lá no alto.

O outro projecto de adaptação ao cinema a deixar-nos inquietos é o de Seveneves, o livro com título capicua de Neal Stephenson. Ainda não está anunciada qualquer data de estreia nem de início de filmagem, mas a realização estará a cabo de Ron Howard que parece ter um particular amor por este projecto.

Seveneves é um livro enorme, não só em número de páginas, mas também em detalhe e dimensão, cobrindo mais de cinco mil anos da história espacial da humanidade. No entanto, o mais provável será que o filme se limite a adaptar apenas primeira parte do livro em que, por motivos desconhecidos, a Lua se quebra, provocando uma chuva de meteoritos sobre a Terra e exterminando toda a vida. Isto deixa a humanidade com apenas dois anos de pré-aviso para deixar o planeta e tornar-se uma “raça espacial”. Este é o dispositivo ficcional que Neal Stephenson usa para nos pôr a par de tudo o que existe actualmente relacionado com tecnologia espacial: se tivéssemos, a partir de agora, apenas dois anos para passar a viver no espaço, quais seriam as nossas hipóteses?

O livro é um fascinante thriller, espantosamente bem escrito, e eu dei por mim a ler páginas e páginas a descrever minuciosamente o funcionamente de um reactor nuclear como se fosse a coisa mais emocionante do mundo. Para além da parte tecnológica, o foco de Stephensen vai também para as consequências políticas deste evento e a primeira parte termina numa espécie de Deus das moscas com a humanidade a voltar-se contra ela própria na ilha deserta que é o espaço.

A segunda parte da história tem lugar passados cinco mil anos e é quase um outro livro. Aqui o objectivo do autor é especular sobre que alterações genéticas se terão operado sobre a humanidade, quais os dispositivos tecnológicos utilizados para voltar ao planeta terra e, mais uma vez, a organização e consequências políticas. Desta segunda parte pode potencialmente vir uma ou mais sequelas hollywoodescas. O próprio Stephenson não descarta a hipótese de escrever outro livro neste universo ficcional.

Ron Howard, apesar de oscarizado enquanto realizador, talvez não pareça um dos nomes mais excitantes para levar a adaptação de Seveneves às telas mas, se nos lembrarmos do seu Apolo 13, provavelmente teremos aí uma boa referência para o que podemos esperar. “Seveneves” não é exactamente uma história de personagens, é mais um “estado da nação” em termos de tecnologia e os seus elementos de thriller provêm principalmente da tensão política. Howard, embora não tenha um estatuto de “autor”, é certamente um dos “bons tarefeiros de Holywood” capaz de extrair das páginas geek de Stephenson suficiente adrenalina para nos dar uma grande experiência espacial e provavelmente um dos grandes blockbusters do ano em que estrear. Mesmo sem saber de nada, posso já dizer com certeza que será coisa para obrigatoriamente ver em 3D. Aguardemos.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

%d bloggers gostam disto: