A sinfonia que Bruckner dedicou a Wagner
Texto: NUNO GALOPIM
As mitologias habitam as mais variadas áreas da criação musical. E a grande música orquestral do século XIX não falha aí à regra… E conta-se que, sendo grande admirador de Richard Wagner, o compositor Anton Bruckner encontrou-se com ele para lhe mostrar as partituras de duas sinfonias, pedindo-lhe, numa noite de boa conversa e copos, que o autor de Tristão e Isolda escolhesse uma delas, já que a selecionada lhe seria então dedicada. Acontece que, de tantas cervejas bebidas, Bruckner voltou a casa sem se lembrar exatamente qual das sinfonias Wagner havia escolhido. E escreveu-lhe uma carta, perguntando-lhe afinal qual tinha sido a eleita. Seria aquela em ré menor, na qual o trompete lançava o tema? Warner não só terá respondido que sim como, daí em diante, e no quadro de uma amizade que juntou os dois compositores desde então, se referiu a ele como Bruckner, o trompete…
A história desta, que hoje conhecemos como a Sinfonia Nº 3 de Bruckner, conheceu na verdade uma série de outras atribulações, nomeadamente uma estreia acidental (na qual o próprio compositor foi obrigado a assumir a direção da orquestra ao contrário do que estava previsto) e um conjunto de revisões que mantiveram sempre intactas as citações e demais momentos de clara alusão wagneriana… Mal recebida na estreia em 1877, é hoje reconhecida como uma das grandes obras orquestrais de finais do século XIX… E um dos primeiros a reconhecer ali uma peça notável foi o então muito jovem Gustav Mahler que, presente na estreia, ficou mais tarde com o original da partitura em suas mãos.
É precisamente com uma gravação da Sinfonia Nº 3 de Bruckner que o maestro Andris Nelsons (natural de Riga, na Letónia) enceta discograficamente a sua ligação à Gewandhausorchester (de Leipzig, na Alemanha), de quem será diretor musical a partir de 2018. E, aceitando a sugestão do próprio Bruckner na dedicatória desta sinfonia, junta ao alinhamento do disco que agora é editado pela Deutsche Grammophon a abertura de Lohengrin, de Wagner.
Ao falar sobre esta obra o maestro notou já, por um lado, a carga mística que a habita, lembrando quão importante na música de Bruckner é, tal como em Bach, a sua devoção religiosa. E depois apontou atenções a todo um caráter arquitetónico que define a sua estrutura, fazendo mesmo uma comparação com o lego, ao tentar descrever o modo como todos os elementos, até os mais pequenos, se encaixam para fazer uma construção muito sólida e pessoal.
“Bruckner. Symphony No. 3″, pela Gewandhausorchester, sob direção de Andris Nelsons, está disponível em CD e nas plataformas digitais numa edição da Deutsche Grammophon.
Republicou isto em O LADO ESCURO DA LUA.
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