Ao vivo… e a três dimensões
Texto: NUNO GALOPIM
Com uma história de palco que antecede até a edição dos seus primeiros discos, a obra dos Kraftwerk esteve contudo mais focada na criação musical (que se traduzia na génese de sons, composição e gravação de álbuns) do que em rotinas de estrada durante a etapa que, entre Autobahn (1974) e Electric Café (de 1986, disco hoje entretanto rebatizado com o título originalmente pretendido Techno Pop) definiu o corpo central da sua música. Com os anos 90 – e numa altura em que a disco chegava uma revisão da matéria dada na forma do álbum The Mix, de 1991 – surgem novos desafios em palco que, na verdade, o grupo acaba por abordar a fundo um pouco mais adiante quando, já depois da viragem do milénio, e com um novo álbum de estúdio entretanto editado – Tour de France – Soundtracks (2003), inicia uma nova etapa de vida na qual o palco passou a ser o destino mais frequentemente visitado pelo quarteto (que entretanto fora sofrendo alterações na sua constituição e do qual hoje resta apenas um dos seus fundadores, Ralf Hutter).
Uma viagem no tempo recorda-nos como, nos anos 70, só o tipo de instrumentos que levavam a palco distinguia claramente os Kraftwerk de muitos dos seus contemporâneos. Chegaram mesmo a afastar-se da estrada em finais da década, regressando após esse hiato para cumprir uma nova digressão depois do lançamento do álbum Computer World. Mostravam-se então com um palco que recriava em cena todo o seu estúdio Kling Klang, que se tornara assim numa realidade móvel e itinerante, feito com quatro unidades portáteis mais os seus elementos de apoio, miniaturizando ainda mais os equipamentos no instante em que se chegavam à boca de cena para, de máquinas de calcular na mão, interpretar Pocket Calculator, um dos singles do novo álbum. É também nessa digressão que surgem pela primeira vez em palco os manequins (que haviam sido já expostos em fotos promocionais nos tempos de The Man Machine), que tomavam o lugar dos quatro músicos quando se escutava The Robots.
Ao longo dos anos 80, ao mesmo tempo que viam novas gerações de músicos a fazer das suas ideias a base de toda uma nova linguagem pop eletrónica, os Kreftwerk reduziram o volume de criação de estúdio, dedicando antes parte do seu tempo à exploração das potencialidades de novas tecnologias. E é desse trabalho (e do consequente domínio sobre o sampling) que nasce não só The Mix como uma versão digital do estúdio Kling Klang, que começam então a levar à estrada. Por essa altura, e aproveitando as sugestões de novas abordagens a clássicos seus tal e qual o haviam mostrado em The Mix, atualizam as visões sonoras e cénicas do que levam a palco. As composições ganham novo viço e, por vezes até, novos sentidos. Radio Activity, que tinha nascido sob uma dúbia identidade – já que não deixava claro se falavam apenas da radioatividade ou da rádio como espaço de comunicação – focava agora uma posição bem clara contra a proliferação do nuclear, com uma abertura que alertava para grandes catástrofes, de Hiroxima a Chernobyl. É sob este conjunto de visões, às quais podemos somar o acima citado álbum de 2003, que definem, já no século XXI, um novo modelo de concerto. A tecnologia tinha evoluído no sentido de dotar o grupo de equipamento que lhes permitia não só recriar em palco os elementos sonoros usados em estúdio como, depois, controlar um gigantesco ecrã sobre o qual iam lançando projeções, cada qual materializando imagens em função dos temas tocados. Dessas experiências de palco resultou em 2005 o álbum ao vivo Minumum Maximum. E ali se mostrava como, finalmente, às visões de futuro que a sua música fora sugerindo nos anos 70 e 80 as artes do palco finalmente tinham acrescentado a tecnologia necessária para completar essa mesma visão.
Pouco depois, a edição da caixa antológica Der Katalog (ou The Catalogue na versão internacional, lançamento que reunia a obra de estúdio dos oito álbuns editados entre 1974 e 2003, o que excluía as criações pré-Autobahn) motivou novo regresso à estrada, desta vez propondo dois modelos de concerto: um deles em formato best of, o outro sendo na verdade uma residência para oito atuações numa mesma sala, durante as quais a cada uma cabia o papel de reinterpretar, de fio a pavio, um dos oito álbuns desse mesmo período, desenhando um ciclo live da sua integral de álbuns entre 1974 e 2003. No plano visual a grande novidade era então a integração de imagens 3-D no grande ecrã que dominava o palco. Mas também na música surgiam novos ângulos interpretativos, desde uma abordagem pop, mais viva e menos metronómica a Antenna à inclusão de uma das variações do tema criado para a Expo 2000 (agora com o título Planet of Visions) no alinhamento de The Mix, na verdade criado nove anos antes.
É neste quadro que nasce um novo registo ao vivo, este na forma de uma nova caixa, que documenta a visão dos concertos Der Katalogue na era 3-D, correndo assim os alinhamentos dos álbuns Autobahn (1974), Radio Activity (1975), Trans Europe Express (1976), The Man Machine (1978), Computer World (1981), Techno Pop (1986), The Mix (1991) e Tour de France – Soundtracks (2003). Da formação original, resta apenas a figura central de Ralf Hutter, estando ao seu lado Fritz Hilpert (percussionista e engenheiro de som que entrou em cena em 1987 após a saída de Karl Bartos), Henning Schmitz (teclados) e Falk Grieffenhagen (que integra o quarteto desde 2013). The Catalogue 3-D é o documento desta etapa e do trabalho na estrada destes quatro músicos. A edição no no formato Blu-ray junta registos dos oito concertos assim como as projeções e filmes usados em palco, acrescentando um com fotos tiradas na digressão. A edição áudio em CD inclui 8 discos e nasceu de uma seleção de gravações de atuações no intervalo de 2012 a 2016. Já o lançamento em vinil se apresenta como um duplo LP que se ajusta ao espetáculo “best of” 3-D (o mesmo que trouxeram recentemente a Lisboa e ao Porto) e que junta elementos de todos os oito álbuns do ciclo Der Katalog.
“The Catalogue 3-D”, dos Kraftwerk, está disponível, com alinhamentos diferentes, em LP e 8CD ainda numa caixa em Blu-ray, num lançamento da Parlophone/Warner ★★★★★
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