Como era sábado à noite antes da… febre
Seleção e textos: NUNO GALOPIM
O disco sound não era já um segredo bem guardado quando, no verão de 1977, se mostrava já como o espaço mais procurado pelos DJ na hora de encher as pistas de dança. Em dezembro a estreia do filme A Febre de Sábado à Noite, de John Badham, com John Travolta a criar ali um ícone da cultura pop da segunda metade dos setentas, levaria toda esta música a um patamar de visibilidade global, tornando-se então o disco numa das linguagens mais correntes em terreno mainstream entre 1978 e 1979.
O destino global que se anunciava em 1977 celebrava o sucesso de uma música nascida de heranças do funk e do chamado som de Filadélfia e que marcara primeiros passos entre discotecas para diversas minorias em cidades americanas na primeira metade dos anos 70. Vamos aqui recordar dez singles que fizeram história nas pistas de dança no verão de 1977. Ou seja, uma seleção de temas que fizeram a banda sonora das noites de sábado, antes da febre que, com Travolta e as canções dos Bee Gees, levaram esta música ao mundo inteiro alguns meses depois…
The Hues Corporation, “I Caught Your Act”
Nascidos na Califórnia em finais dos anos 60, o trio The Hues Corporation ganhou exposição mundial em 1974 quando o seu single Rock The Boat se transformou Vendeu um total de dois milhões de cópias e foi inclusivamente um dos primeiros êxitos do disco a chegar ao número um nos EUA. Com um line up irregular (sofreu diversas alterações em poucos anos), o grupo nunca repetiu o patamar de sucesso de Rock The Boat, embora tendo somado outros episódios dignos de memória, uma vez mais em terreno disco. Depois deste êxito mundial tiveram ainda algum impacte os singles Rockin’ Soul (1974), Love Corporation (1975). Editado em 1977 I Caught Your Act foi o seu último single com impacte maior.
Donna Summer, “I Feel Love”
Nascida em Boston no último dia de 1948, Donna Summer passara pela Broadway e seguira para a Alemanha com o elenco de Hair quando, aí, em 1975, o seu caminho se cruzou com o do produtor Giorgio Moroder com quem criou Love To Love You Baby, precisamente a canção de quase 17 minutos (na versão longa, editada no máxi-single e também no álbum) que nesse ano levou a sua voz a muitas pernas que ali encontraram banda sonora para noites de dança. Dois anos depois, e com mais colaborações entre ambos entretanto gravadas, o não menos marcante I Feel Love, novamente com Giorgio Moroder e sob mais evidente presença das electrónicas, reforçava o estatuto de Donna Summer como uma das vozes mais reconhecidas do universo disco e confirmava a sua visibilidade global como a primeira grande estrela da (nova) música de dança.
Space, “Magic Fly”
Entre os pioneiros franceses da música eletrónica contam-se vários casos de militância no espaço que acabaria conhecido como space disco. Comandados pela visão de Didier Marouani, os Space surgiram em Marselha em 1977 e mantiveram uma primeira (e mais consequente) etapa de trabalho até 1980, regressando mais tarde já sob clima nostálgico, mas sem o mesmo impacte. Magic Fly, o álbum de estria, lançado em 1977, revelou no seu tema-título, que teve impacte à escala global, um dos episódios de referência do space disco. Este era assim mais um espaço de clara expressão europeia de ecos de sugestões disco vindas do outro lado do Atlântico, mas que ao mesmo tempo traduziam a exploração nos campos da música eletrónica que, então, era universo sobretudo trabalhado no velho continente.
Heatwave, “Boogie Nights”
Apesar de ter algumas cidades norte-americanas como principais fontes de acontecimentos, o fenómeno disco chegou a solo europeu em meados dos anos 70 e depressa começou a gerar focos de produção no velho continente. Giorgio Moroder, na Alemanha, foi de todos o que mais depressa alcançaram reconhecimento mainstream. De um militar americano estacionado na Alemanha surgiria outro caso, tendo contudo a cidade de Londres por palco. Foi ali que Johnnie Wilder conheceu a cena noturna em meados dos setentas, juntando uma banda e aperfeiçoando um som em sintonia com os acontecimentos que as noites americanas então estavam a viver. Com o terceiro single, Boogie Nights, que anunciava a edição do seu primeiro álbum, os Heatwave chamaram atenções, trepando inclusivamente ao segundo lugar na tabela de vendas de singles no Reino Unido. Este seria o maior êxito de uma carreira que se manteve discograficamente ativa até finais dos anos 80.
Giorgio Moroder, “From Here To Eternity”
Depois de encontrado um tom para abordar os ecos do emergente fenómeno disco em singles gravados juntamente com Donna Summer, o produtor de origem alemã Giorgio Moroder apresentou, em 1977, a sua visão eletrónica para os novos sonhos de festa noturna em clima futurista. Tema título do álbum que então lançava, From Here To Eternity chegou a single e ajudou a definir os contornos formais e estéticos pelos quais então se afirmava o space disco. Este tema deu título a um álbum que Moroder desenvolveu para explorar estas mesmas formas e conceitos em várias frentes e que surgiu pouco depois de ter assinado, ao lado de Donna Summer, o clássico I Feel Love, outro dos temas de referência da história do disco sound.
Thelma Houston, “Don’t Leave Me This Way”
Em 1975 o alinhamento do álbum Wake Up Everybody de Harold Melvin & the Blue Notes apresentava uma canção que, apesar de não ter sido originalmente editada como single, acabou por se tornar num dos momentos de maior reconhecimento que esse disco gerou. O motivo para todo o entusiasmo chegou dois anos depois quando a cantora Thelma Houston vincou, sob um novo arranjo, as qualidades que o original (que revela uma belíssima prestação orquestral) já sugeria. O novo arranjo, em mais viçoso travo disco, era na verdade originalmente apontado a Diana Ross, mas acabou entregue a uma voz que dava primeiros passos na Motown, conquistando com o êxito deste single o seu único grande êxito à escala internacional. Em 1986 uma nova versão de Don’t Leave Me This Way, pelos Communards, deu nova vida à canção, numa abordagem mais próxima do hi-nrg, representando essa a edição que mais exposição global deu ao tema. Por essa altura a canção, na versão de Thelma Houston, tinha-se transformado num importante hino junto daqueles que lançavam ações e campanhas de luta contra a sida.
Chic, “Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah, Yowsah)”
Nile Rodgers e Bernard Edwards conheceram-se em inícios dos anos 70 quando trabalhavam como músicos de estúdio em várias sessões para diversos músicos. Um concerto dos Roxy Music deu-lhes uma visão, que foram moldando, recrutando outros músicos, trabalhando inicialmente com um corpo de versões… Até que, chamando a si a voz de Norma Jean Wright, se estrearam finalmente em disco em 1977 com Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah, Yowsah). A canção, que reflete o state of the art do disco sound orquestral, mais próximo das genéticas de Filadélfia, chegou ao número um da tabela de dance music americana, abrindo caminho a uma carreira que faria dos Chic uma das referências maiores do género. O “Yowsah, Yowsah, Yowsah” que encontramos no título da canção, decorre de uma expressão criada por Ben Bernie (um violinista e pioneiro da rádio) e fora depois usado em 1969 no filme Os Cavalos Também se Abatem, de Sydney Pollack, sobre uma maratona de dança nos tempos da Grande Depressão.
Republicou isto em O LADO ESCURO DA LUA.
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Excelente artigo, Parabéns.
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