Últimas notícias

Canções pop para tempos pouco luminosos

Texto: NUNO GALOPIM

Naquele que é o melhor disco que os Erasure lançam desde o início dos anos 90 “World Be Gone” troca a carga festiva habitual por uma coleção de canções mais melancólicas pelas quais o duo expressa a sua preocupação pelo que vê a acontecer ao seu redor.

Fundador dos Depeche Mode, Vince Clarke saiu da banda pouco depois de o grupo ter lançado o seu álbum de estreia, no verão de 1981, deambulando nos anos seguintes entre experiências relativamente curtas, umas mais longas (como os Yazoo, que viveram por dois anos e nos deixaram dois álbuns de estúdio), outras mais fugazes (como os Assembly ou numa parceria com Paul Quinn, cada qual limitada a apenas um single). E assim foi até que, em 1985, encontrou em Andy Bell a voz com a qual foi construindo uma obra que vai já em mais de 30 anos, somando 17 álbuns de estúdio e inúmeros registos ao vivo. Pontualmente voltou a experimentar colaborações (e uma delas uniu-o inclusivamente com Martin Gore, velho parceiro dos tempos passados nos Depeche Mode). E tem sido (e pelos vistos continuará a ser) junto de Andy Bell, ou seja, nos Erasure, que Vince Clarke tem desenvolvido o corpo central da sua obra.

É bem verdade que já vai longe o tempo em que a cada disco que editavam os Erasure nos davam novas magníficas coleções de canções pop. Foi assim sobretudo com os álbuns The Circus (1987), The Innocents (1988) ou Chorus (1991), os melhores da sua discografia, desde então nenhum tendo repetido a inspiração e sentido de oportunidade da música que então faziam, alguns dos títulos mais recentes tendo até resvalado para lugares próximos do inconsequente… Mesmo não repetindo o patamar a que nos habituaram em finais dos anos 80 e na alvorada dos noventas, não deixa de ser surpreendente reconhecer que, após tantos discos que passaram a leste das atenções, ao 17º álbum os Erasure desviam as atenções da sua faceta mais festiva e lúdica para, refletindo sobre um tempo presente – menos luminoso e mais assombrado – nos darem em World Be Gone um álbum mais melancólico e, ao mesmo tempo, mais em sintonia com o mundo ao seu redor do que todos os que o duo nos deu a escutar desde I Say I Say I Say de 1994.

O Brexit e outros factos que fazem o nosso dia a dia em 2017 acabam refletidos num disco que, sem ser panfletário nem ativista, é contudo um disco político. Fala de nós e do nosso tempo. Com um sentido crítico, com sinais de alerta, observando com preocupação (um pouco como o fez o recente álbum dos Depeche Mode) alguns dos factos recentes, alguns deles nascidos do voto popular. Separações amargas, chamadas de atenção que nos dizem para termos cuidado com o que desejamos, constatações de realidades desaparecidas, surgem em canções que não escondem a genética natural na música dos Erasure, embora sem desta vez deixar o viço festivo mais frequente tomar conta do palco. Retrato dos sinais dos tempos, World Be Gone é um disco de veteranos que cedo festejaram a diversidade e, agora, não deixam de refletir sobre caminhos menos entusiasmantes que o mundo parece estar a tomar. E pelo caminho acabam por fazer um álbum que se estranha em primeiros contactos, mas que é claramente o melhor que o grupo criou em 23 anos! E isso é obra!

“World Be Gone”, dos Erasure, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais em edição da Mute Records ★★★

1 Comment on Canções pop para tempos pouco luminosos

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

%d bloggers gostam disto: