Um passeio pop na era do Brexit
Texto: NUNO GALOPIM
Já com mais de um quarto de século de carreira (esta a história, para avivar a memória, começou em 1990), os Saint Etienne tornaram-se numa das mais sólidas e sempre interessantes entre as bandas pop de berço britânica, mostrando-nos cada um dos seus novos discos que trabalham a canção pop como mais do que uma mera exploração dos sabores do momento. Nascidos num tempo de diálogos entre os campos da invenção pop/rock e os estímulos que então chegavam da cultura ligada à música de dança, o grupo juntou desde o início o trabalho de dois velhos amigos (ambos jornalistas) com uma série de cantoras, tendo o encontro com Sarah Cracknell sugerido que, afinal, era aquela a peça que faltava ao jogo em construção. Convenhamos que escolheram bem e, largos anos depois, a edição de um novo álbum de estúdio – que é o primeiro após o belíssimo Words and Music By Saint Etienne, de 2012 – não só reconfirma como cedo souberam ultrapassar o que de fugaz pode haver na ligação demasiado intensa a um tempo ou um movimento, tendo encontrado nas heranças mais clássicas da canção pop e num quadro de imagens e outras memórias (que muitas vezes apontam aos sessentas) motivos para continuar a inventar uma música afinal sempre presente e atenta aos diálogos entre as guitarras, a voz e as eletrónicas.
Se o álbum anterior era uma sugestão de viagens interiores sugeridas pelo poder da música, este novo é de certa forma um herdeiro do olhar retratista que, em finais dos sessentas, os The Kinks (que são há muito referência evidente para os Saint Etienne) nos deram a descobrir no histórico The Kinks Are the Village Green Preservation Society (de 1968). Entre as canções de Home Counties encontramos retratos sobre os lugares e os quotidianos de uma Inglaterra solarenga (o tom da música parece ter afastado daqui as nuvens e a chuva). Entre ruas de casas iguais entre si, entre pequenas cidades, entre as histórias do dia a dia o álbum celebra o poder da canção pop em fixar aquela ideia que Sérgio Godinho nos dá a ouvir quando nos canta que a vida é feita de pequenos nadas. E com razão.
Com um corpo incrível de canções que não se afastam da alma pop central à obra dos Saint Etienne, recheadas de heranças mas claras na afirmação do agora, o disco traduz uma reflexão de alma identitária. De resto, e como Bob Stanley já explicou, o disco nasceu de uma série de deslocações em terreno rural britânico (em concreto nas zonas do sul de Inglaterra de onde são originárias as famílias dos três músicos) num tempo em que o Brexit passou de tema discutido a assunto referendado. E foi dos contrastes entre esses olhares ali vividos e os ambientes (diferentes) que conhecem em Londres que surgiram estas canções. Mais do que tirar ou sugerir conclusões parecem quer querer acima de tudo espelhar o que de estranho há nestas diferenças de vivências e de pontos de vista. Se estes olhares escondem ou não uma agenda, isso é coisa para ir tentando descobrir… Porque os sentidos e objetivos de um álbum não se esgotam nos primeiros embates que as canções geram junto de quem as escuta. Mas o entusiasmo parece mais pender para uma celebração de qualquer coisa inglesa do que… europeia.
“Home Counties”, dos Saint Etienne, é uma edição em LP e CD, também disponível nas plataformas digitais num lançamento da Heavenly Records/Edel ★★★★
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