O silêncio, segundo os The Art of Noise
Podem não ter somado os êxitos globais então vividos por figuras que lhes estavam mais próximas como os Frankie Goes To Hollywood ou ABC e estiveram longe dos patamares de atenções das estrelas maiores da pop daqueles tempos. Mas se há nome fundamental a citar quando se fala das visões musicais mais marcantes da história pop dos oitentas os The Art Of Noise estão na linha da frente das memórias a citar. Foram, mais do que uma banda no sentido mais convencional das vivências pop/rock, um laboratório de conceitos e sons nascido das realidades tecnológicas e dos climas dos discursos de então.
A génese dos The Art of Noise esteve na equipa de produção que Trevor Horn montara na aurora da década, e com a qual trabalhou em discos dos ABC, Yes e Frankie Goes To Hollywood. Foi durante uma sessão de trabalho nas gravações do álbum 90125 que, de um jogo de sons feitos entre samples e sequenciadores, que surgiu o mote para Owner of a Lonely Heart, dos Yes. E, da vontade em explorar as potencialidades que tinham pela frente Trevor Horn desafiou o programador J. J. Jeczalik, o engenheiro de som Gary Langan e a arranjadora Anne Dudley a trabalhar novas ideias em conjunto, chamando a bordo o jornalista musical Paul Morley para definir conceitos e uma linguagem de comunicação (que seria depois uma das marcas de identidade da editora que o mesmo coletivo estava então a desenhar). Foi ele quem, inspirado pelas ideias de Luigi Russolo, trouxe o nome ao grupo. The Art of Noise assim se chamariam. E entre o álbum de estreia Who’s Afraid of The Art Of Noise? e singles como Moments in Love, Close (To The Edit) ou Beatbox colocaram no mapa uma música de cunho experimental mas alma claramente pop, acessível e contagiante, centrada sobretudo no labor das eletrónicas e das percussões, trabalhando a fundo as possibilidades lançadas pelas novas máquinas em estúdio, desenhando visões elaboradas, grandiosas, mas ao mesmo tempo capazes do mesmo poder de sedução de um doce pop para ouvir na rádio.
Desentendimentos internos após esta primeira etapa conduziram o grupo a um afastamento da ZTT Records e das figuras outrora tutelares de Trevor Horn e Paul Morley. Reduzidos a um trio e mantendo o nome, os Art of Noise apresentaram em 1986 um segundo álbum que deixou claro que mantinham em si os argumentos fundamentais da visão que lhes havia permitido criar um dos melhores álbuns da primeira metade dos oitentas. E com In Visible Silence juntavam outra peça gourmet à sua discografia.
Se os elementos eletrónicos, a insistente presença das percussões, o gosto pelo design de cenários sonoros e o interesse em explorar as qualidades da repetição de elementos se mantinham em cena, vincando assim as linhas centrais da identidade do grupo, ao mesmo tempo o novo disco mostrava sinais de procura de novos desafios, um deles, assimilando memórias de outros sons e outras músicas chegando numa versão de Peter Gunn, um clássico de 1959 composto por Henry Mancini para uma série de TV com o mesmo título e gravado no mesmo ano pelo guitarrista Duane Eddy, que os Art of Noise chamaram também à sua versão, conferindo-lhe aquela rara qualidade de diálogo entre épocas que o tema sugere nesta versão que lhes deu o seu maior êxito até então.
Ao mesmo tempo o álbum tenta não largar elementos já antes explorados, refletindo Legs (escolhido como primeiro single) uma evidente relação com os momentos mais intensos do disco de 1984 e procurando Camille ser uma herdeira direta de Moments in Love, não faltando depois momentos spoken word que mantinham acesa a visão pop agri prop de Morley. Backlbeat reforçava a dimensão cinematográfica das ideias em jogo. Paranoimia, outro dos momentos mais marcantes do alinhamento (e um dos temas do álbum que vinca a familiaridade que havia por esta altura entre as explorações dos Art of Noise e dos suíços Yello entre linguagens musicais e tecnológicas com grande afinidade entre si), vincado por uma linha de baixo de alma funk, teria depois uma nova versão, em single, contando com a voz de Max Headroom, uma figura televisiva de grande popularidade na época que vincava mais ainda a ligação do grupo à linha da frente das novas formas de comunicação.
Tal como antes já acontecera para o material de estúdio da primeira etapa da obra dos Art of Noise, o álbum In Visible Silence surge agora numa versão que não só inclui um restauro do áudio original como junta uma coleção de peças extra que permitem fazer um retrato do que foi o trabalho feito ao seu redor. Estão por isso aqui uma série de outtakes de estúdio (muitos deles inéditos) que revelam experiências que acabaram fora do alinhamento final. E também as misturas alternativas das canções de In Visible Silence que foram surgindo em singles e máxi-singles, algumas delas nunca antes editadas em suporte digital. A edição, num digipack, retoma o grafismo da capa e explora no inlay (onde não falta uma contextualização) elementos ligados à obra visual dos Art Of Noise em meados dois oitentas… No fim, creio que concordarão que cabe foi só ao álbum de 1984 ser reconhecido como o título de referência da discografia dos Art of Noise.
“In Visible Silence – DeLuxe Edition”, dos The Art Of Noise, é uma edição em 2CD da Rhino, também disponível nas plataformas digitais. ★★★★★
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