Quem disse que não havia música no espaço?
Texto: NUNO GALOPIM
Os argumentos e ingredientes são, de facto, de dimensão astronómica. Um álbum que junta Sufjan Stevens, James McAlister, Bryce Dessner e Nico Muhly, em volta de um ciclo de canções e de peças instrumentais, envolvendo tanto eletrónicas como arranjos orquestrais (cruzando os universos da canção popular com os da música contemporânea), e tendo os planetas e outros corpos do sistema solar como objetos retratados fazem de Planetarium um dos mais ambiciosos projetos musicais do nosso tempo. E, ao mesmo, tempo, materializa-se num dos álbuns mais assombrosos dos últimos tempos e que surge bem destacado entre os que de melhor o ano de 2017 nos tem dado a descobrir.
Na verdade esta é até uma história antiga. Tem ponto de partida num convite que o Muziekgebouw, de Einhoven (na Holanda) lançou em 2011 a Nico Muhly para que criasse uma peça nova para ali apresentar. O compositor chamou amigos que admira e com quem gosta de trabalhar… E em pouco tempo a ideia tinha tomado a forma maior de um ciclo, com Sufjan Stevens a assumir um papel protagonista na composição das canções (às quais deu depois a voz), mantendo-se, contudo, a lógica de colaboração na condução de todo o projeto. Planetarium, na forma de concerto, fez-se à estrada. E não só passou pelo palco holandês no qual tudo começou, como rumou em 2012 a grandes salas, da Ópera de Sidney ao Barbican (Londres), passando pela Brooklyn Academy of Music (Nova Iorque) ou o Walt Disney Concert Hall (Los Angeles). E depois, como é habitual nas longas viagens espaciais, fez-se silêncio…
Anos depois, com os músicos do quarteto entretanto entregues a outros projetos – Sufjan Stevens, por exemplo, editou Carrie & Lowell e Bryce Dessner apresentou a obra orquestral St. Carolyn by The Sea num disco lançado pela Deutsche Grammophon – os quatro voltaram a juntar-se em estúdio para recriar estes percursos pelo sistema solar. O protagonismo de Sufjan Stevens nas faixas cantadas não esconde a proximidade que há entre estas composições e as visões formal e instrumentalmente desafiantes do grandioso The Age of Adz (2010), sendo Planetarium um álbum que na verdade está mais perto de ser uma sequela sua do que uma expressão mais evidente de momentos das discografias dos outros músicos aqui envolvidos. A complexidade dos arranjos orquestrais num momento imponente como o que se escuta em Mars e as texturas mais ambientais quando mergulhamos em Sun traduzem contudo uma clara manifestação da presença das ideias tanto de Nico Muhly como de Bryce Dessner. No fundo, e tal como entre os planetas entre os quais vivemos, a este sistema solar é convocada a forma como cada um recebe a luz e, depois, a reflete.
Planetarium não é um documentário musical sobre o sistema solar já que, e tal como Holst o fez na sua suite orquestral Os Planetas, os corpos astronómicos que aqui são cantados são motivo para refletir mais sobre os seus significados (muitas vezes com dimensão mitológica) do que para falar de planetas, cometas e outras realidades astronómicas que habitam o cosmos. Marte, por exemplo, serve uma reflexão sobre a guerra. Júpiter fala-nos de solidão. E Vénus sobre o amor e a juventude… Disco longo (duplo na edição em vinil), Planetarium é um ciclo de grande fôlego e que nos pede tempo. Desafia-nos a caminhar entre mundos contrastados. E não segue nenhuma ordem astronómica, abrindo ao som de Neptune para terminar com Mercury, pelo caminho passando pelos demais planetas, mas também por temas dedicados ao Sol, à Lua, à cintura de Kuiper, ao cometa Halley, a um buraco negro… E… a Plutão. Não especifica se, o “despromoveu” do estatuto de planeta com que viveu entre 1930 e 2006. Mas trata-o com carinho, como um pequeno mundo envergonhado (possivelmente pelos factos de 2006) numa das mais belas canções do ciclo… Quem gosta de Plutão agradece…
“Planetarium”, de Sufjan Stevens, James McAlister, Bryce Dessner e Nico Muhly, está disponível em 2LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da 4 AD Records. ★★★★★
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