Vince Clarke: “A revolução na música eletrónica não foram os sintetizadores, mas sim os sequenciadores”
Entrevista de NUNO GALOPIM
Foi um gesto ousado deixar os Depeche Mode em 1981, numa altura em que o sucesso começava a chegar? Foi difícil tomar essa decisão?
Não foi difícil, para dizer a verdade. Eu era bem mais novo e talvez não muito prudente. As relações não estavam a funcionar, por isso eu tinha de seguir o meu caminho.
Fez só dois álbuns como Yazoo. Depois um single como Assembly mais um com Paul Quinn. Temia não conseguir encontrar o parceiro certo?
Não estava na verdade à procura. Mas a verdade é que encontrar parceiros para projetos pontuais estava a tornar-se frequente. O produtor com quem estava a trabalhar é que me sugeriu que colocasse um anúncio para um cantor para que pudesse fazer um trabalho a tempo inteiro com ele. Foi aí que conheci o Andy.
E só ao conhecer Andy Bell é que sentiu que encontrara um parceiro de trabalho para algo mais longo e estável?
É verdade! Não o sabíamos no começo. Não imaginávamos como nos íamos dar e como o trabalho iria resultar. Mas ao longo que a carreira progrediu fomos sentindo que tínhamos sido feitos um para o outro. Descobrimos também que tínhamos visões políticas semelhantes sobre as mais variadas questões… E o Andy é uma pessoa com quem se trabalha bem. É discreto. Tranquilo… Gravámos um primeiro álbum e quando começámos a ir para a estrada foi aí que nos ficámos a conhecer bem. O primeiro disco nem se saiu muito bem, pelo que estávamos a tocar em pequenos clubes e em universidades. E nesse primeiro ano na estrada começámos a criar uma primeira base de seguidores. E foi isso que nos permitiu continuar a fazer música durante todo este tempo. E já trabalhamos juntos há mais de 30 anos!
Tinham uma ideia do que deveriam ser os Erasure quando começaram a gravar Wonderland?
Muito do que foi o primeiro álbum dos Erasure estava praticamente composto quando conheci o Andy.
Ou seja, ele ajustou-se às canções…
Sim. A sua interpretação daquelas faixas soava ao que deveria ser. E no segundo álbum começámos a compor juntos. E isso mudou muito a dinâmica da banda. E essa é que na verdade representou a verdadeira fundação do nosso relacionamento.
O sucesso de Sometimes e dos singles que se seguiram ajudaram a solidificar a carreira dos Erasure?
O sucesso ajuda. Mas também nos estávamos a divertir muito! Com o segundo álbum [Circus, de 1987] tudo começou a acontecer bem depressa. Havia algo novo e entusiasmante no horizonte a cada nova semana. Ou íamos tocar a um sítio novo ou algo igualmente empolgante. Nem estávamos com tempo para refletir sobre o sucesso que estávamos a ter. Porque na verdade estávamos a pensar na próxima coisa que tínhamos de fazer, fosse uma digressão mas um novo disco.
O vosso sentido de humor terá ajudado a explicar o impacte que a vossa música conquistou?
Creio que foi o facto de não nos levarmos demasiado a sério… As pessoas gostam disso. Cometíamos muitos erros em palco, enganava-me muitas vezes, e quando as pessoas vêm isso a acontecer sentem que somos humanos.
Imaginava-se em palco naqueles ambientes e situações por vezes tão exuberantes?
Todo esse lado performativo veio do Andy. Éramos apenas dois em palco a ter de fazer o trabalho de quatro. E o Andy faz isso muito bem.
O trabalho instrumental estava todo nas suas mãos. Os avanços tecnológicos que as eletrónicas viveram nos anos 80 permitiu-lhe poder controlar as necessidades de todo um concerto com aquele conjunto de máquinas…
É verdade! A revolução na música eletrónica não foram os sintetizadores, mas sim os sequenciadores. Trabalho bem com eles e depressa. E permitiram-me conseguir encadear partes que antes teriam exigido vários teclistas. Eu podia fazer tudo aquilo com sequenciadores.
Mas desenvolveu um som muito próprio. Uma assinatura sonora. Como é que a encontrou?
Nem sei… Aconteceu. Quando gravo música usando sintetizadores a maior parte do tempo é gasta a experimentar coisas com eles. O meu estúdio é como uma loja de brinquedos. Estou sempre rodeado por brinquedos bem interessantes…
Chega a perder-se no meio de todos eles?
Às vezes sim. Sobretudo agora com o eurorak, que é um analog modular system… Muito do que sai dali são sons. Uso-o mais para criar sons do que para fazer canções. Vivemos um momento muito entusiasmante para a música eletrónica.
O que representaram para si as experiências com tridimensionalidade no som que desenvolveu com Martyn Ware? Era mais uma manifestação desse gosto em explorar as potencialidades da tecnologia?
Gostei muito de fazer esses trabalhos, porque na verdade gosto de trabalhar com o Martyn. E ficámo-nos a conhecer melhor com esses discos. É um entusiasta! Envolvi-me de facto em alguns desses projetos. E foi de facto isso… Não tinham a ver com uma ideia performativa numa perspetiva mais tradicional, mas sim com uma ideia de experimentação…
Os Kraftwerk acabaram de editar uma série de edições usando tridimensionalidade, mas na imagem, não no som. São um nome que associe à sua etapa de descoberta das eletrónicas?
Na verdade só descobri os Kraftwerk mais tarde. Estava na verdade mais interessado nas coisas que estavam a fazer uns Human League ou os OMD. O que faziam tinham mais a ver com canções. E eu gosto de música pop.
Sente-se como parte dessa primeira geração de músicos ingleses que começaram a fazer canções apenas com sintetizadores?
Sim… E foram tempos bem entusiasmantes. Porque estavam a ser criados sons que antes nunca tinham sido escutados. Sons que depois eram usados em canções pop de três ou quatro minutos. Essa é uma das minhas eras preferidas.
Ainda segue as carreiras de outros contemporâneos seus dessa mesma geração de bandas pioneiras da pop eletrónica?
Continuo em contacto com o Martyn… Estou sempre curioso em saber o que os Heaven 17 fazem. Se alguém me chama atenção para um disco vou ouvir. Não sou um seguidor ativo do que está a acontecer.
Os Yazoo pouco tocaram ao vivo entre 1981 e 1983. A reunião serviu para aplicar na banda o que entretanto tinha aprendido sobre a estrada nos Erasure?
De certa maneira… Era o 30º aniversário dos Yazoo. Alguém sugeriu uma digressão. Era uma oportunidade, porque tínhamos tocado pouco. E nem tínhamos chegado a tocar na América. E como havia convites… Ao mesmo tempo foi uma oportunidade para conhecer melhor a Alison [Moyet]. Porque na altura isso não tinha chegado a acontecer.
Mas a verdade é que é ainda hoje nos Erasure que tem a sua obra central. O que os motiva a continuar a fazer novos discos, a compor novas canções?
Quando entramos numa sala para começar a compor não fazemos ideia do que vai acontecer. Entramos sem nada… E umas horas depois saímos de lá com uma canção. E isso para mim é como um milagre. Há ainda um encantamento… Não nos imagino a deixar de o fazermos. E é essa etapa criativa, a da escrita com o Andy, a que ainda me agrada mais em todo o processo de criação de um disco. Essa é a verdadeira razão da alegria.
Sentiram alguma vez o fardo da pressão do sucesso, sobretudo entre finais dos anos 80 e início dos 90 quando todos os vossos álbuns chegavam ao número um?
Não houve nunca na verdade muita pressão. Trabalhamos com uma editora magnífica, que sempre nos soube apoiar.
E fizeram momentos em que certamente se divertiram com o que vos dava prazer… Fizeram um EP dedicado aos Abba antes da eclosão da “abbamania” que surgiu em 1992 com a antologia Abba Gold…
Essa foi uma ideia do Andy… Íamos fazer um álbum inteiro de versões dos Abba. Mas quando chegámos às quatro e achámos que era o suficiente… (risos).
Mas mais tarde fizeram todo um álbum de versões com temas de vários artistas…
Esse foi um processo bem caseiro. Nem dissemos à editora que o íamos fazer. Gravámos o álbum discretamente. E apresentámo-lo no fim. O Daniel Miller, que dirige a editora, não gostou muito. Ele gosta de estar envolvido nas coisas desde o início… Não gostou…
Também fizeram discos de Natal…
Não fiquei na verdade muito feliz com a ideia do último disco de Natal que fizemos. Pensei então que podíamos pegar naquelas canções tradicionais de Natal e fazê-las o mais assombradas possível. Assim em vez de um disco feliz de celebração natalícia, seria um disco mais refletido. E quando se mexe naquelas canções acabamos a reparar que há no seu âmago uma certa melancolia. Há tantos discos de Natal… Por isso optámos em seguir este caminho… É claramente diferente.
O novo disco, World Be Gone, traduz um sentido ainda mais crítico e sombrio. É um olhar muito cético sobre o mundo em que hoje vivemos…
É precisamente isso. Queríamos comentar as coisas estranhas que estão a acontecer no mundo atualmente. Os acontecimentos que temos presenciado dão tema para muitas canções. O facto de as canções deste disco serem mais lentas deu-nos também mais espaço para nos podermos expressar desta maneira. Partimos para o trabalho com a ideia de que seria um álbum mais lento, menos dançável, com uma presença vocal mais evidente. O Andy fez um trabalho vocal incrível…
O mundo político, depois, inspirou-vos… Trump, o Brexit…
Bastante. Mas nem todas as canções falam sobre isso… São mais sobre a atmosfera em que vivemos. O mood em que o mundo vive.
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