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O regresso (feliz) dos Ride

Texto: NUNO GALOPIM

Uma das mais interessantes obras do rock independente britânico editado em disco na primeira metade dos noventas regressa com “Weather Diaries”, um álbum que os mostra fiéis à sua identidade, embora com uma produção mais polida.

A passagem dos oitentas para os noventas revelou cativantes álbuns de uma nova e vibrante geração de bandas “alternativas” em berço britânico que só então começara a editar discos (*). Ora animadas por ecos de referências escutadas em memórias dos sessentas ora entusiasmadas pelas mais recentes visões de intensidade elétrica levantadas pelos dois primeiros álbuns dos The Jesus & Mary Chain, entravam em cena levantando estimulantes visões rock numa mesma altura em que as atenções se dividiam entre a emergente cultura house, o cada vez mais visível hip hop, um renascimento da soul e, naturalmente, os ecos do indie rock americano que começavam a cativar cada vez mais atenções deste lado do oceano. Contudo, e apesar dos entusiasmos vividos em finais dos oitentas, os The House of Love não conseguiram repetir nunca, depois de assinarem por uma grande editora, o impacte do seu belíssimo álbum de estreia, simplesmente chamado The House of Love e lançado em 1988 pela Creation Records. Por sua vez os The La’s, que na verdade estavam juntos há mais algum tempo, nunca levaram as promessas de singles como Way Out (1987) ou do icónico There She Goes (1988) para lá de um único álbum (que editaram já em 1990)… Coube por isso aos Ride ser, desta mesma geração de novas bandas, aquela que, neste terreno, conseguiu definir uma discografia mais extensa e consequente, criando sobretudo entre os álbuns Nowhere (1990), Going Blank Again (1992) e Carnival of Light (1994) uma das mais interessantes obras do pop/rock brit pré-brit pop (confesso que achei piada a esta cacofonia de palavras, pelo que a deixei ficar), definindo um trajeto que foi rapidamente rotulado pela etiqueta fácil do shoegaze mas que na verdade traduz uma progressiva depuração de uma relação mais viva com a distorção e a intensidade das guitarras, rumando a um trabalho cada vez mais claro na sua relação com heranças do psicadelismo e outros ecos de finais dos sessentas.

Depois de um álbum menos marcante editado em 1996 (Tarantula), saíram de cena para, como quase toda a gente menos os The Smiths e os Abba, se juntarem de novo há cerca de dois anos para, primeiro, regressarem ao palco e, agora, aos discos. E depois de tantos tropeções e tiros ao lado de bandas que tentam voltar a compor nestas rotas com nostalgia pelo meio, temia-se pelo contraste com a obra de outrora… Foi assim com os Bauhaus… Foi assim com os Pixies… Mas, depois de escutado Weather Diaries, deixei escapar um suspiro de alívio. E não é que os Ride juntaram mais um belo disco à sua discografia?

Pode ser interessante comparar este regresso ao dos contemporâneos Slowdive, que acabam de assinalar igualmente o seu retorno às edições em disco. E se em Slowdive encontramos uma saborosa proposta de reencontro com as suas mais vincadas marcas identitárias, já nos Ride devemos reconhecer a vontade de, sem procurar uma agenda “moderna” (seja lá o que isso for), desafiar o curso dos acontecimentos colocados à sua música. Chamaram para a produção Erol Alkan, figura que tanto ligamos aos Boyz Noise como, na produção, a nomes como os Late of The Pier ou Klaxons.

A opção permitiu-lhes ordenar ideias com clara familiaridade para com os seus discos de outrora, mas em vez de os repetir apresentar antes em Weather Diaries uma visão mais aprumada. A entrada em cena das eletrónicas, que não abafa nunca o protagonismo das guitarras, é uma das marcas mais evidentes de uma evolução com sentido de continuidade. Mas mais impressionante é reconhecer como as opções de uma produção mais limpa valorizam agora, mais do que nunca, um certo melodismo pop que se passeava já entre muitas linhas das canções que criaram nos noventas.

Mais do que andarem em busca de uma nova ideia para explicar um regresso 21 anos depois ou de se mascararem de uma qualquer coisa que não são, os Ride tentaram aqui encontrar formas de refletirem na música o seu estado de alma atual e aquilo que o tempo foi deixando como marca. E se em Charm Assaut piscam o olho a um património identitário que é seu, em All I Want ou Lannoy Point encontram formas de o expressar no seu quadro atual de interesses. E em Cali atingem um patamar de intemporalidade num dos mais deliciosos momentos de pop com guitarras e fulgor elétrico que ouvi nos últimos tempos.

Weather Diaries mostra como o tempo por ali passou. Convenhamos que não os tratou mal… E permitiu-lhes criar um dos mais saborosos discos de regresso entre as bandas nascidas nos oitentas (mesmo que com história em disco apenas a partir de 1990). Sejam bem regressados.

“Weather Diaries”, dos Ride, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Wichita Recordings ★★★★

(*) Vale a pena lembrar que nomes como os Stone Roses ou Primal Scream já tinham singles editados desde 1985 e os Spacemen 3 desde 1986s. E também que os My Bloody Valentine são irlandeses…

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