Mahler, por um maestro que não o deixou ficar no silêncio
Texto: NUNO GALOPIM
Devemos em grande parte a Leonard Bernstein o entusiasmo e esforço com que, no pós-guerra, recuperou um nome (e com ele toda uma obra) que o tempo quase havia esquecido e afastado dos repertórios das salas de concerto. O de Gustav Mahler.
O silêncio começara a desenhar-se gradualmente após a morte do compositor, sendo cada vez mais raros os maestros que iam chamando aos programas as suas sinfonias e canções. As suas origens judaicas pesaram depois durante o regime nazi, praticamente apagando a sua presença dos concertos (apesar de algumas pontuais interpretações de obras suas terem sido registadas até mesmo em Berlim, em 1941).
A admiração de Leonard Bernstein pelo compositor austríaco cuja obra orquestral é fulcral na definição dos caminhos de passagem do romantismo para as novas possibilidades levantadas pelas visões que emergem na alvorada do século XX era partilhada por outros, entre os quais o seu “mestre” Aaron Copland. Coube então ao esforço de Bernstein, sobretudo durante a etapa em que liderou a New York Philharmonic Orchestra, o esforço de apresentar condignamente a sua música não só em sala como também em disco, tendo estas gravações representado um importante papel na globalização de um nome e uma obra que ainda hoje estão na linha da frente das atenções de qualquer orquestra ou maestro.
É sabido que, desde então, muitos outros revelaram olhares de excelência e personalidade sobre Mahler, desde Sinopoli a Boulez, entre tantos outros mais que gravaram as suas integrais sinfónicas. Contudo, nas mãos (sempre entusiasmadas) de Bernstein, a música de Mahler respira nestas gravações, com pouco mais de meio século, o fulgor da redescoberta. E por elas Bernstein acaba por transparecer afinidades evidentes para com o compositor austríaco, já que ambos eram igualmente maestros e com muito peculiares formas de dirigir.
Registadas nos anos 60, estas gravações surgem agora novamente em prensagens em LP em vinil, recuperando as capas das edições originais, incluindo as liner notes então apresentadas nas contracapas, mas juntando de novo um ensaio assinado por Klaus Geitel. As sinfonias números 1 a 7, mais a nona, surgem em gravações com a New York Philharmonic Orchestra. A oitava foi gravada com a London Symphony Orchestra. A caixa, de 30 LP, inclui ainda o ciclo de canções Kindertotenlieder pela New York Philharmonic Orchestra e as vozes de Jennie Tourel e Janet Baker.
Norte-americano, de ascendência ucraniana, Leonard Bernstein foi uma das mais destacadas figuras da música do século XX e teve importante carreira como mastro, compositor e também enquanto comunicador, aqui através da televisão, que dele fez um dos rostos globalmente mais reconhecidos da música clássica nas décadas de 50 a 70.
Como maestro teve uma história de sucesso desde muito cedo, fazendo carreira em diversas grandes orquestras mundiais, sobretudo a Filarmónica de Nova Iorque, que comandou durante 12 anos. É reconhecido o acima referido papel determinante que teve na divulgação da obra sinfónica de Mahler, assim como na de grandes compositores americanos do século XX. Muitas vezes os feitos do comunicador televisivo e do maestro “que dançava” (o que incomodava alguma crítica mais sisuda) parecem ofuscar a importantíssima obra que nos deixou como compositor e que remonta a finais dos anos 30, estendendo-se até 1990.
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