Pelos afluentes da tranquilidade
Texto: NUNO GALOPIM
Através do trabalho nos Cluster ou Harmonia, em discos a solo ou colaborações com, entre outros, nomes como os de Brian Eno ou Dieter Moebius, o alemão Hans-Joachim Roedelius ganhou um lugar na história da música do século XX como um dos pioneiros no processo de criação de caminhos para além dos espaços das vanguardas pelas quais as eletrónicas caminhavam até aos anos 60. É por isso frequente vermo-lo referido quando se fala nos primeiros visionários do chamado krautrock, tendo a sua obra posterior continuado uma demanda que, sem abandonar as eletrónicas e o gosto da experimentação, rumou a outras possibilidades e caminhos, entre os quais aqueles a que se convencionou chamar “ambient” (já que o recurso à designação new age parece comportar quase sempre uma sugestão valorativa pouco elogiosa).
Aos 82 anos o seu entusiasmo parece manter-se intacto, sobretudo em momentos em que partilha o estúdio com colaboradores. E nos últimos anos tanto voltou a trabalhar com Moebius (antigo parceiro nos tempos dos Cluster e Harmonia), como com Tim Story ou Lloyd Cole (este último tendo procurado nas eletrónicas caminhos alternativos ao seu labor mais conhecido como escritor de canções). E é desse entusiasmo que vive o encontro que se materializa num lançamento que esta semana chegou às lojas de discos (as reais e as digitais) via Deutsche Grammophon. Num jogo de contrastes com o facto de ser um autodidata que nunca aprendeu sequer a ler música, Roedelius acolheu na sua casa de família a visita do pianista de formação clássica Arnold Kasar, mais jovem e ligado a uma cena de cruzamentos entre eletrónicas, a música de dança e o jazz que Berlim viveu nos noventas.
Em 2016, o mesmo ano em que publicava uma autobiografia, Roedelius passou três dias em Baden (onde vive) na companhia de Kasar, juntos tendo registado horas a fio de ideias e experiências que foram ganhando forma, seguindo apenas uma regra: o veterano tinha a seu cargo as eletrónicas e o mais novo o piano. Como a nota de lançamento do disco o explica, o processo não parecia interessado nem numa demanda estrutural, nem numa abordagem às tecnologias nem mesmo a uma qualquer ideia de precisão… O fluir das formas acabou por soar acima de tudo mais… Daí o título Einfluss, que define um disco pacífico, que transcende as fronteiras dos géneros, embora assimile ecos de vivências tanto do jazz como dos terrenos ambient, não deixando ainda de traduzir possibilidades que as linguagens atuais da música para piano podem sugerir… Não estamos de todo perante uma gravação marcante ou mesmo revolucionária como as que via Cluster, Harmonia ou numa histórica parceria de 1976 com Brian Eno, Dieter Moebius e Michael Rother, Roedelius ajudou a desenhar novos caminhos para a música eletrónica… Mas, tal como o título sugere, esta é uma música que flui… E que bem flui…
“Einfluss”, de Hans-Joachim Roedelius e Arnold Kasar está disponível em 2LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição da Deutsche Grammophon
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