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Técnicas de sobrevivência

Texto: NUNO GALOPIM

Na linha de outras histórias vividas entre as ruas mais desprotegidas de Manila, como “Serviço” ou “Kinatay”, o filipino Brillante Mendoza tem em “Mãe Rosa” um dos seus melhores filmes dos últimos anos.

É entre as ruas de Manila (Filipinas) que Brillante Mendoza tem encontrado algumas das mais pungentes histórias pelas quais tem vindo a definir uma obra que o inscreve de forma destacada entre os maiores herdeiros de Lino Brocka, cineasta que dirigiu o seu olhar às vivências quotidianas do mundo filipino, sendo hoje reconhecido como uma figura de absoluta referência na cinematografia local. Revelado em 2005 com Masahista, filme que, tal como algum do cinema de Brocka ou do seu compatriota Auraeus Solito, levou o cinema filipino a retratar histórias e identidades queer, Brillante Mendoza ganhou sobretudo visibilidade através de uma série de presenças em grandes festivais. Mãe Rosa foi, de resto, a sua quarta longa-metragem a ser apresentada em Cannes, festival no qual em 2008 apresentou o magistral Serviço que, tal como este novo filme, partilha com o espectador o mundo de uma família de um bairro pobre de Manila e toma por protagonistas figuras que aprenderam a vencer as dificuldades do quotidiano, com as fintas que os contextos e as situações vão exigindo.

O sentido opressivo da megalópole que, em Serviço, era sobretudo vincado pela omnipresença dos sons do tráfego de veículos e gentes na rua é em Mãe Rosa deixado por conta do cenário que acolhe toda a ação, que raramente vai para além da rua onde esta mãe Rosa tem uma mercearia e a esquadra onde tanto ela como o marido vão parar numa noite em que uma rusga policial descobre que, além do que se espera numa loja como a sua, ela vende também drogas…

Se as visões de pobreza do espaço e do desconforto do calor e humidade que ficam desde logo bem claros definem o cenário, é contudo no coração da trama que reside a alma de uma narrativa que não quer ser deambulação pelo universo de pobreza retratado, mas antes um retrato da corrupção que sobre aqueles que quase nada têm é exercida pelas forças da ordem que, se por um lado clamam às chefias que detiveram um passador de drogas (o fornecedor da mãe Rosa), por outro deixam claro à merceeira, marido e também aos filhos que ali estão para os ajudar, que só terão a liberdade se contribuírem com uma soma que nem é multa nem fiança… Mas que é a única forma de os livrar de um pesadelo maior que pode estar pela sua frente.

Sem muitas cosméticas na imagem nem procurar nunca uma ideia de gratificação estética, o que traduz uma vez mais o gosto de Brillante Mendoza em fazer as suas ficções habitar cenários com uma certa carga realista (sublinhada pelas afinidades com um registo documental), Mãe Rosa é um retrato de uma mulher que é apanhada numa teia sem apelo. Só os 200 mil pesos que lhe pedem lhe darão o direito a sair à rua de novo. Denunciando e pedindo aos filhos a ajuda possível, a soma é uma meta difícil a atingir. É claro que sabe que, no fim, ninguém lhe passará um recibo.

“Mãe Rosa”, de Brillante Mendoza, com Jaclyn Jose, Julio Diaz e Baron Geisler, está em exibição numa distribuição da Alambique Filmes.

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