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Napa, nylon, macramê, crochet…

Texto: DANIEL BARRADAS

No seu mais recente álbum, o italiano Andrea Laszlo de Simone pega num caleidoscópio para fazer um emotivo olhar retrovisivo sobre o psicadelismo dos anos 70. E o resultado é genial.

Itália. Estão perdoados. Sim, neste momento consigo perdoar-vos todos os Zuccheros, Pausinis, e Ramazottis que andaram a exportar desde os anos 80. Bastou-me pôr os ouvidos numa canção do novo álbum de Andrea Laszlo de Simone para me lembrar de quão poderosa e importante era a música Italiana dos anos 50 aos 70. E depois de ouvido o álbum Uomo Donna de uma ponta à outra, fica a certeza de que, em 2017, um passo musical atrás de quase meio século faz todo o sentido. Não estamos afinal a assistir ao mesmo na política?

Na paisagem musical de hoje, Uomo Donna é como um ovni. Como um satélite que tenha sobrevoado a Europa entre 1969 e 1972, registando a paisagem sonora do psicadelismo e, depois, saltado no tempo até nós. Podemos balizá-lo entre Yellow Submarine dos Beatles e 666 dos Aphrodite’s Child, entre Lennon e Vangelis, entre Inglaterra e a Grécia. Sim, um satélite a voar lá bem alto, a captar largos horizontes mas sem deixar de ser genuinamente italiano.

Mas mais do que fotográfico, o registo psicadélico de Uomo Donna é como uma pintura impressionista. Simone pega na paleta sonora de uma altura específica da música e na tela coloca uma interpretação muito pessoal, capaz de consolidar o que certamente é uma vida inteira de contacto e entusiasmo por um estilo musical que ficou datado e saiu de cena a meio dos anos 70. Que sentido faz então, voltar a ele?

Falo por mim. Ouvir Uomo Donna foi como dar uma dentada na madalena de Proust. Vieram-me à memória momentos dos anos 70 que estavam dormentes algures no meu cérebro: o cheiro de napa preta ao sol, carros equipados com leitor de cartuchos, coletes, calças com boca de sino, nylon, macramê, crochet

É que Uomo Donna é mais do que uma coleção de (boas) canções de amor. É uma intricada e caleidoscópica tapeçaria de sons. Entrelaçadas entre canções surgem captações sonoras que alargam e definem paisagens e emoções: crianças que brincam, sinos de aldeia, barcos que rangem, passos na areia (ou será neve?). Como naqueles momentos em que antes de adormecermos passa pela nossa mente uma enxurrada de imagens aleatórias, umas mais visuais, outras mais emocionais. Como vos posso explicar que ouvir as galinhas a cacarejar no início de Questo non è amore me transportou vividamente a casa da minha avó, se ela nunca criou galinhas?

O momento alto do álbum é sem dúvida Gli uomini hanno fame que começa como se tivéssemos o radio sintonizado em discursos revolucionários cubanos e a televisão a passar desenhos animados da Warner Brothers. O botão irá rodar (sim, naquele tempo rodavam-se botões na televisão e no rádio) e de uma cacofonia internacional que nos leva da Alemanha nazi à América em guerra fria vai emergindo um pulsar electrónico que é tributo absoluto a Vangelis. Tiro o chapéu a Simone pela inteligência com que demonstra como o rock psicadélico foi essencial na passagem do orgão para o sintetizador.

Outra figura incontornável é John Lennon. O tema La guerra dei baci, não poderia ser mais Ono/Lennon e o vídeo só ajuda a cimentar a homenagem ao casal que afirmou perante a cultura ocidental da época a dualidade homem/mulher como um yin/yang equalitário. Ainda precisamos dessa mensagem? Infelizmente, sim.

Uomo Donna prova que, em 2017, antes de ser futurista, importa olhar para o passado e aprender algumas lições. E deste teste de história musical (cultural) Andrea Laszlo de Simone sai com nota máxima. Temos aqui um dos discos incontornáveis do ano, marco de estrada a solidificar o passado no nosso caminho comum para o futuro.

“Uomo Donna”, de Andrea Laszlo de Simone, está disponível numa edição da 42 Records/Don’t Panic! ★★★★★

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