Girl power para o século XXI
Texto: NUNO GALOPIM
Com alguma surpresa as gémeas Naomi e Lisa Díaz comentam, numa entrevista publicada na mais recente edição da revista Les Inrockuptibles, que há quem a elas se dirija, nas ruas de Paris, com palavras em inglês, mal imaginando que na verdade são uma das mais estimulantes propostas nascidas na música francesa da presente década. Com origens cubanas (são filhas do músico Miguel “Angá” Díaz), as duas irmãs estrearam-se em disco em 2015 com Ibeyi, álbum que as levou à estrada numa digressão que correu mundo e as levou a conhecer Quincy Jones, a colaborar nos vídeos associados ao mais recente álbum de Beyoncé ou até mesmo a receber um convite de Prince para uma atuação em Paisley Park (que só não se concretizou pela inesperada e precoce morte do músico). Cantam essencialmente em inglês. Têm talvez (até aqui), mais reconhecimento fora do que em casa… Talvez daí os equívocos que vão surgindo nas ruas de Paris.
Dois anos depois de um álbum de estreia que lhes valeu primeiras opiniões favoráveis, eis que apresentam em Ash uma interessante continuação de narrativa num disco que não é estranho ao que os dois anos que separam os álbuns deram de novo às manas Díaz: a estrada. Ash é, como elas mesmas o confessam, um disco mais talhado para o palco. Não necessariamente mais pop, uma vez que a música das Ibeyi continua a caminhar numa região demarcadamente sua, feita de encontros entre um gosto pelo trabalho vocal (que pisca o olho a harmonias e a coros), por heranças muito depuradas e assimiladas do R&B dou de heranças africanas e um interesse em trabalhar loops e outros elementos instrumentais em busca de paisagens que servem uma ideia de canção que chama inevitavelmente a atenção para a voz e o sentido das palavras. Mas há mais intensidade nas batidas, uma presença do autotune (como ferramenta de moldagem vocal) e mais pulso no convite ao movimento. O palco vai claramente agradecer…
Mantendo firme a parceria em estúdio com o produtor Richard Russell que com elas havia já trabalhado no álbum de estreia, as Ibeyi mostram em Ash uma paleta de ideias que juntam ao aprumo de um achado estético já bem desenhado um corpo político que não deixa dúvidas quanto a uma forma de estar no mundo e de o comentar num ponto de vista crítico. Das palavras, ora sampladas ora citadas, de Michelle Obama, Frida Khalo ou Claudia Rankine (autora de Citizen, livro que poeticamente aborda temáticas do racismo), à presença (sempre poderosa) de Me’Shell Ndgeocello ou da rapper espanhola Mala Rodriguez, Ash debate temas do presente, com uma incidência particular sobre questões identitárias e de género. Escute-se No Man Is Big Enough For My Arms, onde nos dizem que uma sociedade se mede pelo modo como trata as suas mulheres e raparigas, e fique aqui um aperitivo para descobrir um disco que sabe ser político com a consciência de que às ideias é importante juntar formas que as moldem a um pensamento artístico.
“Ash”, das Ibeyi está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da XL Recordings. ★★★★★
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