Ainda é cedo para grandes conclusões, mas… promete
Texto: NUNO GALOPIM
Era preciso deixar passar algum tempo (leia-se uns episódios) antes de tirar primeiras conclusões sobre Star Trek: Discovery, a série que reativa o universo de ficção científica criado por Gene Roddenberry nos anos 60 que tem cruzado gerações num conjunto de variações entre o pequeno e o grande ecrã, a imagem real e a animação, mais os mundos da BD e da prosa… Se J.J. Abram conseguira, com os dois filmes através dos quais fez aquilo a que agora se chama o “reboot” da coisa, reativar o viço da saga no cinema (mas cautela porque o mais recente filme, já sem a sua presença ao leme, teve ação a mais e ideias a menos), porque não tentar uma abordagem semelhante para televisão? É esse o desafio que leva Star Trek: Discovery a arregaçar as mangas propondo uma narrativa que antecipa cronologicamente no tempo as aventuras originais (com Kirk, Spock e os outros “clássicos” da saga) e que, de certa forma, parece procurar desenhar o contexto galáctico no qual muita da mitologia Star Trek depois ganhou forma.
O episódio original (que na verdade eram dois para completar um primeiro arco narrativo) na verdade não parecia afastar-se muito do que seria a possível proposta narrativa e visual de um novo filme. Os ingredientes estavam lá todos, contando de novo com as figuras que se apresentavam, naves desconhecidas e pouco mais. De resto mergulhava-se no embate inesperado de uma nave da “federação” com a materialização de uma antiga profecia klingon, através da qual uma série de grandes figuras se dispunham a pegar em armas por uma velha causa. Contra a “federação”, como sempre…
É contudo ao terceiro episódio que começa a fazer-se notar o que poder haver de diferente nesta série que procura dar nova vida a todo um universo que havia conhecido progressiva erosão nos três spin offs que se seguiram à magnífica “next generation” de finais de oitentas e inícios dos noventas. Ao contrário da norma mais habitual, que deixava bem contrastadas as figuras do “bem” e do “mal” as ideias parecem menos claras entre as figuras que começamos a acompanhar. E ao contornar o maniqueísmo fácil com que tantas vezes as séries definem o seu elenco de personagens, Star Trek: Discovery obriga a observar e acompanhar antes de uma conclusão ser possível. Estamos num tempo de incertezas, a bordo de uma nave – a Discovery – cujos objetivos não se desenham claramente nítidos, tomando a figura de uma amotinada (e condenada) como âncora e começando a desenhar ao seu redor um quadro de figuras e factos que, ao contrário do que sucedera nas séries Star Trek anteriores, nos deixam, por não termos referências maiores, perante a necessidade de aprender tudo de novo.
É claro que há aqui ganchos que nos ligam ao universo Star Trek clássico, desde a figura do embaixador vulcaniano Sarek (o pai de Spock) a regras estruturais da tecnologia e conduta da “federação”… Mas, de resto, o que mais acontecer vem com o delicioso sabor da descoberta. Que a estrutura narrativa alimenta numa trama que toma os episódios como acontecimentos a viver em sequência (apesar de cada um conter um arco narrativo que em parte se resolve ali mesmo). E que terá para já metade dos episódios desta época lançados este ano, chegando a partir de janeiro a segunda parte desta época de estreia… Um “reboot” feliz… Mas daqui a uns episódios será mais seguro afirmar se com o mesmo sucesso, ou nem por isso, dos dois filmes que J.J. Abrams juntou recentemente à saga.
“Star Trek: Discovery” está disponível via Netflix, com um episódio novo a cada semana.
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