Como o cinema inspirou uma grande sinfonia
Texto: NUNO GALOPIM
O cinema representou um importante espaço de invenção musical ao longo de todo o século XX. Muitos compositores foram ocasional ou regularmente desafiados a compor a música para acompanhar narrativas no grande ecrã. Em várias ocasiões o trabalho para um filme não se esgotou na sua banda sonora, na verdade representando ponto de partida para uma aventura ainda maior. Uma situação semelhante aconteceu com Ralph Vaughan Williams (1872-1958). Em finais dos anos 40 foi convidado a criar a banda sonora para o filme Scott Of The Antarctic (na foto), que entre nós estreou como A Tragédia do Capitão Scott, de Charles Frend, sobre a trágica missão ao pólo Sul de Robert Falcon Scott, em 1910. O tema inspirou-o de tal forma, que acabou por criar, a partir desta música, a sua 7ª sinfonia, a que chamou Sinfonia Antartica.
Depois de apresentado o filme, Vaughan Williams decidiu repensar a partitura que tinha criado na forma de uma sinfonia em cinco andamentos, todavia procurando evitar soluções convencionais. Concluída em 1952, estreada em Manchester em 1953, a Sinfonia Antartica ocupa um lugar de relevo na obra sinfónica do compositor que ajudou a definir uma identidade “inglesa” à música orquestral do século XX. A sua música cruza o novo com a tradição e reflecte frequentemente um interesse grande do compositor pela música folk. Aluno de Ravel, mostrou nas suas primeiras obras marcas de influência do professor. Contudo, este acabaria por afirmar que, de todos os seus antigos alunos, Vaughan Williams seria o único que não acabou a reescrever a sua música.
A Sinfonia Antartica é uma obra sinfónica coral, na qual o compositor inglês procurou encontrar equivalentes musicais às sensações de frio intenso, desolação, de ventos colossais, de rochas cobertas de gelo, que foram cenário dessa fracassada tentativa de atingir o pólo Sul, e que terminou com a morte do explorador e dos quatro aventureiros que o acompanharam. O ambiente traduz de certa forma a curiosidade, muito alimentada entre ingleses no século XIX e início do século XX, pelas grandes explorações geográficas que então deram a conhecer o mundo. A sinfonia, apesar desta relação com o concreto, serve ainda de base a uma reflexão do compositor sobre a condição humana.
Esta nova gravação, dirigida por Sir Andrew Davis, conta com a orquestra e coro da Filarmónica de Bergen, e as participções como solistas de Mari Eriksmoen (soprano) Roderick Williams (barítono) Hélène Mercier (piano) e Louis Lortie (piano), num alinhamento que junta ainda o Concerto para Dois Pianos e Orquestra e as Quatro Últimas Canções do mesmo compositor.
Vaughan Williams: “Sinfonia Antartica, Concerto for Two Pianos and Orchestra, Four Last Songs”, por Mari Eriksmoen, Roderick Williams, Hélène Mercier, Louis Lortie, e a Bergen Philharmonic Orchestra, dirigida por Sir Andrew Davis e o Bergen Philharmonic Choir, dirigido por Edvard Grieg Kor, está disponível em CD e nas plataformas digitais, numa edição da Chandos.
Já agora, como informação complementar, o filme “Scott of The Antartic” está disponível em Blu-ray numa edição da Vintage Classics.
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