A noite em que José Afonso influenciou uma canção dos Pet Shop Boys
Texto: NUNO GALOPIM
No ano em que celebravam um quarto de século de vida sobre a edição do seu primeiro single, os Pet Shop Boys abriram a sua agenda não com uma evocação de feitos, mas antes com um disco que mostrou, em pleno, como a sua linguagem pop de personalidade vincada se mantinha viva, ativa, consequente e ainda capaz de estabelecer diálogos com as tendências do momento. E três anos depois de Fundamental, o regresso fez-se com um disco em tudo positivo, a começar logo pelo título: simplesmente Yes.
Não se tratava de uma manobra de escapismo evasivo milimetricamente talhada para um ano difícil no mundo das vidas reais (viva-se o impacte direto da crise económica que abalou o mundo por aqueles dias), mas, na verdade, uma simples materialização da expressão mais clássica da canção pop, naturalmente pensada com a inteligência de quem assinou já uma das mais importantes obras do género.
Contando com a colaboração da equipa de produção Xenomania – cujos métodos de escrita e produção representaram um desafio para os Pet Shop Boys – e com parceiros como Johnny Marr (guitarra e harmónica) e Owen Pallett (nos arranjos de cordas de dois temas), Yes revelou-se um álbum luminoso, otimista, mas nem por isso euforicamente festivo. Com a conta, peso e medida de quem entende o apelo gourmet dos ingredientes que junta quando se faz um disco pop, Neil Tennant e Chris Lowe apresentavam em Yes a sua melhor coleção de canções da primeira década do século XXI e, pela atitude que as caracteriza, o sucessor que já tardava para o clássico Very, de 1993.
Apesar dos elementos com que os produtores ali marcam o presente, o disco respirava livremente a alma pop característica dos Pet Shop Boys, com marcas de identidade que vão do apelo pop de Love Etc. à citação de Tchaikovsky em All Over The World, da elegância de King Of Rome à festa de Pandemonium, canção que devia ter sido single… E não foi. Esse é, de resto, um dos vários temas de conversa que podemos agora ler no booklet que acompanha a reedição do álbum segundo a norma que tem vindo a ser aplicada a esta revisão da obra dos Pet Shop Boys, juntando ao alinhamento original não só discos com temas extra mas também um trabalho documental que leva ao booklet imagens e uma entrevista na qual Neil Tennant e Chris Lowe explicam, um a um, todos os temas aqui incluídos.
A reedição de Yes junta dois CD de extras, sob o título Further Listeing 2008-2010, pelos quais surgem, por exemplo, a pareceria com Phil Oakey (originalmente destinada a figurar no alinhamento do álbum) This Used To Be The Future, a mistura alternativa mais electro que os próprios Pet Shop Boys criaram para Love Etc., o medley criado para a ocasião em que foram homenageados nos Brits Awards com um prémio de carreira, os temas do EP de Natal lançado em 2009 que incluía uma nova versão de All Over The World, o tema “natalício” It Doesn’t Often Snow At Christmas – que na verdade debate a transformação de valores que se tem verificado nesta quadra – e versões de My Girl dos Madness e Viva la Vida dos Coldplay, assim como temas da peça de teatro My Dad’s a Birdman e faixas do single Together. E sim… agora se explica aqui o título deste post. Apesar de ser dos menos conhecidos da obra dos Pet Shop Boys, Together tem uma história que se relaciona de uma passagem da dupla pela cidade do Porto. Uma noite, depois de jantar, passaram por um bar no qual encontraram um grupo a tocar canções portuguesas. Gostaram de uma delas em particular, que era nada mais nada menos do que As Sete Mulheres do Minho, com letra popular e música de… José Afonso. Gostaram mesmo tanto que tentaram criar uma versão que contudo não lhes saiu tão bem como o desejado, acabando por compor Together, diretamente inspirado por este tema que podemos encontrar no alinhamento do álbum Fura Fura… Mas que caminhou para uma dimensão pop eletrónica, muito dançável e bem atual. E que Chris Lowe confessa que lhe soou mais a coisa russa, daí o teledisco então criado para apresentar esta canção que nasceu para que houvesse um inédito no alinhamento de Ultimate, um best of editado em 2010.
“Yes” / “Further Listening 2008-2010” está disponível em 3CD e nas plataformas digitais numa edição da Parlophone / Warner
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