Os dez melhores singles de David Sylvian
Seleção e textos: NUNO GALOPIM
Descobrimo-lo, em meados dos anos 70, como a voz e principal força criativa dos Japan. Mas ainda a banda estava longe de ser um caso de sucesso (e de conhecer abrupto fim em parte como consequência do estatuto de maior visibilidade entretanto conquistado), e já David Sylvian experimentava olhares que lançava acima da linha do horizonte, não apenas no projetar do seu futuro mas expressando uma manifesta vontade em desafiar as formas instituídas e experimentar outras ideias, outras materializações das suas visões de música e som.
Num ano que assinala a passagem de três décadas sobre Secrets Of the Beehive, o seu terceiro álbum a solo e um verdadeiro exemplo maior da sua abordagem muito pessoal à canção, eis que propomos um percurso através de dez dos seus singles. Talvez sejam os seus melhores. Mas cada lista traduz um gosto. E este é o meu. Pessoal, mas transmissível, sempre.
Para simplificar a coisa ficamos pelos singles a solo e pelas colaborações que ele mesmo assinou em nome próprio. Japan, Rain Tree Crow ou Nine Horses ficam para um outro dia…
1. “Forbidden Colours” (1982), com Ryuichi Sakamoto
O segundo single a solo de David Sylvian nasceu, tal como o anterior Bamboo Houses/Bamboo Music, de uma colaboração com o japonês Ryuichi Sakamoto. A este Nagisa Oshima havia pedido a banda sonora para o filme Feliz Natal Mr Lawrence, que contava com o próprio Sakamoto no elenco (onde encontrávamos também um outro músico: David Bowie). Com música de Sakamoto e letra de Sylvian, Forbidden Colours (título encontrado no romance de Mishima que teve já uma tradução para língua portuguesa como Cores Proibidas) é a canção que escutamos com os créditos finais do filme. Parte de uma melodia que Sakamoto decompõe, declina e utiliza depois em outros instantes da banda sonora, mas que aqui surge em forma definitiva no corpo de uma canção delicada que cruza ecos de geografia japonesa com um lirismo que vinca o carácter dramático da sequência final do filme e traduz o drama maior que o atravessa. O single apresenta a canção na mesma versão que escutamos na banda sonora e junta no lado B The Seed and The Sower (e, na versão máxi, o tema-extra Last Regrets). Forbidden Colours deu a David Sylvian a sua melhor performance extra-Japan na tabela de singles no Reino Unido, atingindo o número 16 e mantendo-se em lista durante 8 semanas. E é simplesmente uma canção perfeita.
2. “Let The Happiness In” (1987)
Os primeiros sinais do que nos esperava em Secrets of The Beehive, o terceiro álbum vocal de David Sylvian, chegaram com Let The Happiness In, uma canção em tudo diferente das que o músico editara até então no formaro de single, aproximando-se de certa forma da noção de progressão ambiental que em tempos definira o mítico Ghosts, dos Japan, porém segundo modelos mais clássicos tanto na forma como na instrumentação. Quase despida de uma arquitetura rítmica, as percussões só entrando em cena a meio da canção, Let The Happiness In é dos melhores exemplos de procura de um espaço instrumental para as características vocais de Sylvian e é ainda hoje uma das suas melhores canções de sempre. O single juntava, no lado B o inédito Blue of Noon. Let The Happiness In teve breve passagem (de apenas uma semana) pela tabela de singles britânica, onde atingiu o número 66.
3. “Orpheus” (1987)
A mais perfeita (e também uma das formalmente mais “clássicas”) das canções do alinhamento do álbum de 1987 Secrets Of The Beehive teve lançamento como single em 1988. Orpheus representou mais um momento de colaboração entre David Sylvian e Ryuichi Sakamoto, e contou na edição em single com Mother and Child (do alinhamento do álbum) no lado B, a versão máxi juntando ainda Devil’s Own (também do mesmo LP). A capa, tal como a de Secrets of the Beehive, é de Vaughan Oliver. A canção faz uso de um elemento que habitara já alguns momentos da obra dos Japan e de David Sylvian a solo, e que em criações subsequentes seria ainda mais profundamente assimilado. Trata-se do silêncio, sendo brilhante o modo como, a dada altura, todos os sons mergulham no vazio, dali voltando a emergir num registo de sedutora placidez.
4. “Red Guitar” (1984)
Com o anuncio da separação oficial dos Japan David Sylvian colocou o projeto de criação e gravação de um primeiro álbum em nome próprio na sua agenda de prioridades. O disco, que editaria no verão de 1984 com o título Brilliant Trees, teve como cartão de visita um single que chamou atenção para o patamar no qual o músico agora se colocava. Sentem-se heranças do carácter desafiante da estrutura rítmica explorada na reta final do trabalho dos Japan, mas há desde logo um clima de inesperado (e discreto) aroma jazzístico (sobretudo definido ao piano) que caracteriza a canção. Red Guitar não repetiu os resultados comerciais que os singles dos Japan posteriores a Ghosts alcançaram, mas lançou de voz firme e segura uma nova etapa na sua carreira. E representou ainda um dos primeiros telediscos assinados por Anton Corbijn, antes portanto da ligação do fotógrafo aos Depeche Mode e U2 que lhe daria fama global.
5. “Words With The Shaman” (1985)
Terminado o ciclo centrado no álbum de estreia a solo Brilliant Trees (que gerou três singles) David Sylvian apresentou em 1985 um EP instrumental originalmente apenas disponível no formato de máxi-single. Trabalho de parceria na composição com Jon Hassell (um dos colaboradores no álbum de 1984), um dos temas aceitando ainda uma participação nos créditos de Steve Jansen, Words With The Shaman envolveu ainda a presença em estúdio de Holger Czukay. O disco apresenta três peças interligadas, a parte 1 sob o título Ancient Evening, a parte 2 como Incantation e a parte 3 como Awakening – Song From The Treetops. Words With The Shaman é uma das peças mais interessantes da obra a solo de Sylvian e representa, mais ainda que os caminhos explorados em Brilliant Trees, um caminho de descobertas que lançaria trilhos futuros na sua obra. A música é essencialmente contemplativa, aceita mecanismos repetitivos como base da estrutura, mas liberta alguns instrumentos que desenham linhas que, delicadamente, definem ambientes, depois cores e formas.
6. “Do You Know Me Now?” (2013)
Editado num single de 2013, o tema nasceu de um desafio lançado com vista à colaboração de Sylvian numa instalação. Tal como os demais envolvidos nesse projeto coletivo, o músico usou sons gravados (com o consentimento dos utilizadores) num telefone instalado num centro para sem-abrigo na cidade de Colónia. Dessas gravações cada um dos envolvidos na instalação My heart’s in my hand, and my hand is pierced, and my hand’s in the bag, and the bag is shut, and my heart is caught (título que cita Jean Genet) retirou elementos, sons ou palavras, que trabalhou para apresentar, por sua vez, em pequenas cabines telefónicas colocadas no espaço da exposição. Há na sua estrutura (clássica) e nos arranjos que contam com a discreta presença de uma orquestra, sinais de um reencontro com os caminhos que o músico seguia nos dias de Secrets Of The Beehive, interrompendo (só não sabemos se pontualmente) um percurso de relacionamento com electrónicas e com os espaços da música improvisada nos quais a sua música tem habitado desde Blemish.
7. “Jean, The Birdman” (1993)
Tinham já colaborado antes. De resto, o álbum Gone To Earth, de 1986, resultava de uma intensa colaboração de David Sylvian com Robert Fripp. Em inícios dos anos 90, num a etapa (longa) durante a qual Sylvian não assinou discos em nome próprio, foi ao lado de Robert Fripp que apresentou um dos raros instantes de relacionamento com a canção que viveu ao longo dessa década. Gravaram então juntos o álbum First Day, ao qual se seguiu uma digressão, um disco ao vivo e um de remisturas. Como cartão de visita para esta nova colaboração foi editado o single Jean The Birdman, canção de recorte clássico, claramente dominada pela presença bem vincada da guitarra elétrica.
8. “Linoleum” (2001), com Tweaker
Além dos discos assinados em nome próprio, dos projetos em parceria e dos que fez enquanto elemento de bandas, David Sylvian conta na sua discografia com um volume impressionante de colaborações suas em discos de outros artistas, em grande parte dos casos surgindo como vocalista convidado, outras vezes partilhando créditos na criação da música e instrumentação. Foi assim que o encontrámos junto de nomes como os de Ryuichi Sakamoto, Virginia Astley, Mick Karn ou, entre outros mais, o projeto Tewaker, aventura pessoal de Chris Vrenna, elemento dos Nine Inch Nails até finais dos noventas e, depois, durante algum tempo, baterista de Marilyn Manson. Como Tweaker editou três álbuns, tendo David Sylvian colaborado nos dois primeiros. Sylvian foi inclusivamente a voz (e coautor) de Linoneum, single extraído do alinhamento de The Atraction of All Thinhs Uncertain, de 2001.
9. “Pop Song” (1989)
Após as sessões em estúdio com Holger Cuzkay das quais nasceriam os álbuns instrumentais (e experimentais) Plight and Premonition (1988) e Flux + Mutability (1989), David Sylvian pensou como assimilar as ideias da música improvisada no quadro da canção. Foi na verdade com a reunião com os ex-Japan Steve Jansen, Steve Barbieri e Mick Karn (numa banda à qual chamaram Rain Tree Crow) que esses métodos de trabalho ganharam maior visibilidade na sua obra. Mas antes de ser dado a escutar Blackwater, o magnífico cartão de visita que anunciou o álbum dos Rain Tree Crow, Sylvian apresentou um single a solo. Chamou-lhe Pop Song, mas não podia estar mais longe dos paradigmas da pop de então. Numa letra que menciona com desagrado o que então se escuta na rádio, a canção estabelece uma ponte entre o que poderiam ter sido os Japan pós-Ghosts e o desafio da improvisação. A canção estava já composta e estruturada, sendo a sua estrutura suportada pela percussão de Steve Jansen. Mas foi em estúdio que o trabalho restante de instrumentação desenhou as linhas de liberdade maior que então Sylvian procurou. É uma pequena pérola que, sem surpresa, passou longe dos entusiasmos… pop. Não foi acima do número 83 na tabela de singles.
10. “World Citizen” (2003), com Ryuichi Sakamoto
Se o álbum de 1999 Dead Bees on a Cake tinha, mais do que sugerido novos olhares, funcionado como uma síntese de ideias e caminhos percorridos desde 1987, o ano em que lançara o seu anterior disco de canções a solo, só em Blemish (2003) encontrámos o verdadeiro passo em frente numa obra que nunca gostou de se repetir. Assimilando improvisação, uma outra abordagem às eletrónicas (e aos silêncios) e sugerindo vivências nas periferias do jazz o álbum abria novas possibilidades que tiveram imediata consequência em projetos seguintes, o primeiro dos quais a chegar em disco tendo surgido na forma de uma nova parceria com Ryuichi Sakamoto, o mais recorrente e regular dos colaboradores de toda a carreira de David Sylvian. World Citizen, que partiu de um projeto de Sakamoto, teve edição original no Japão em 2003 e só em 2004 conheceu lançamento global pela Samadhisound, a editora de Sylvian.
Boas escolhas. Faz-me falta Heartbeat (Tainai Kaiki II). Mas não se pode ter tudo…
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