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Sinais dos tempos (mas com identidade)

Texto: NUNO GALOPIM

É talvez o disco menos referido quando se fala dos Talk Talk. Mas o álbum de estreia do grupo, editado em 1982, guarda uma bela mão cheia de canções pelas quais se vincam já marcas de identidade bem evidentes.

Há vários discos inevitavelmente apontados quando se evoca a obra dos Talk Talk, uma das mais interessantes (e invulgarmente mutantes) entre as bandas nascidas em clima pop na Inglaterra dos oitentas. O primeiro é It’s My Life, de 1984, o seu álbum pop feito de requintados sabores gourmet (e desde então uma das grandes referências do seu tempo). O segundo é The Colour Of Spring, de 1986, o disco que secundarizou os sintetizadores em busca de um apelo mais clássico e que lhes deu o seu momento de maior sucesso. E, inevitavelmente, o terceiro é o absolutamente magnífico Spirit Of Eden, álbum de 1988 onde se reinventam novamente, desta feita transcendendo as fronteiras da pop rumo a novos caminhos (que encontram após um diálogo mais próximo com os espaços do jazz e da música ambiental, o seu sucessor The Laughing Stock, de 1992, decorrendo ainda desta mesma demanda). Curiosamente de lado acaba quase sempre, nestas evocações de “referências” o seu primeiro álbum, The Party’s Over, lançado em 1982 (e na altura caso algo diluído entre um panorama onde outros, no mesmo comprimento de onda, tentavam igual sorte).

Um pouco como os seus contemporâneos Tears For Fears, os Talk Talk entram em cena num tempo em que o movimento new romantic cativa atenções. Pelas referências que partilham (que passam pelos Roxy Music e David Bowie), pelo evidente protagonismo dos sintetizadores nas suas canções, pela abordagem escolhida pela produção e pela imagem (que era sobretudo um pouco fruto da época) que apresentam acabam arrumados no mesmo comboio. Os Talk Talk, de resto, conheceram nestes dias particular tendência para comparações com os Duran Duran não apenas pelo facto de terem por nome uma palavra repetida, como por terem então trabalhado com o produtor Colin Thurston, o mesmo que acompanhou os álbuns Duran Duran e Rio.

Mas tanto a música dos Talk Talk como dos Tears For Fears rumaria por trilhos bem distintos pouco depois (na verdade o mesmo se podendo dizer das obras de uns Duran Duran, Visage, Spandau Ballet ou Ultravox, paradigmas do movimento new romantic entre 1980 e 81 todos eles procurando caminhos diferentes poucos depois, uns mais interessantes, outros nem por isso). E se os Tears For Fears apresentam no seu álbum de estreia The Hurting (1983) o um dos melhores momentos da sua obra (sem a dimensão global do disco seguinte, mas carregado de belas canções), os Talk Talk registaram em The Party’s Over (lançado em 1982) um cartão de visita que lançou promessas que levariam mais adiante logo depois.

Se no departamento da mediatização este foi claramente o álbum menos marcante da obra dos Talk Talk, a verdade é que The Party’s Over está longe de ser um disco menor. Afogado pelo sucesso posteriormente obtido (e pelas mudanças de rumo em que a banda embarcaria), é um disco que justifica contudo um esforço de redescoberta. As heranças Roxy/Bowie que definiram muita da expressão mais luminosa da new wave britânica arrumada sob rótulo new romantic são evidentes, porém plenas de marcas de identidade que se expressam não apenas numa escrita cuidada como sobretudo na presença vincada da percussão e na abordagem vocal de Mark Hollis, desde cedo demarcando uma região particular para o som dos Talk Talk. A produção, datada, inscreve-o claramente no seu tempo (e não há mal nenhum nisso).

O álbum gerou singles como Mirror Man (o primeiro, ainda em 1981 e então quase ignorado), Today e o ex libris (para alguns mercados, como por exemplo o português) Talk Talk, que conquistou espaço na rádio e colocou a banda no mapa dos fenómenos pop do seu tempo. O sucesso na Alemanha levou até à edição (apenas local) de Another Word como quarto single. É contudo em canções como o tema-título, It’s So Serious e Have You Heard The News que o grupo encontra as sugestões para o passo seguinte. De resto, se há característica invariável na obra do grupo foi a sua capacidade em nunca se repetir e saber escolher sempre a janela certa para lançar ideias para o passo seguinte.

Note-se ainda o título, que corta a frio o clima hedonista e despreocupado que vivia a pop britânica da altura, como que afirmando que era chegada a hora de voltar a olhar para a realidade… Em toda essa história este disco é o ponto de partida que regressa, numa edição em suporte de vinil.

“The Party’s Over” dos Talk Talk surge numa reedição em LP pela PLG UK Catalog / Universal

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