O reencontro… numa emissão de rádio
Texto: NUNO GALOPIM
A obra que editou entre Soul Mining (1983) e Dusk (1992) fez de Matt Johnson (e dos The The) um caso maior na história da invenção pop/rock do seu tempo. Aos quatro álbuns magníficos editados nesse período seguiram outros dois mais e depois, salvo ocasional trabalho para cinema, mais silêncio do que música. Recentemente, no belo e revelador documentário The Inertia Variations, de Johanna St. Michaels (que entre nós passou no DocLisboa), ele mesmo explicou que deve ser das pessoas que mais tempo passou a olhar para o teto por cima de um sofá. E é deitado nesse sofá que o vemos em alguns momentos do filme, juntando a sua voz, em off, explicações obre esses longos silêncios na relação com o mundo exterior, mas que na verdade não deixaram de representar necessariamente uma desligar face ao mundo da criação e ao das ideias. Apenas o ritmo de trabalho, as prioridades e os objetivos mudaram na sua relação com a música. Já no plano das ideias o mesmo homem político, mais focado numa visão “macro” das grandes questões do seu tempo que em episódios pontuais da vida ao seu redor, continua vivo e num estado de inquietude semelhante ao que outrora se projetou em canções, como sucedeu por exemplo nas que habitaram o álbum Infected (1986). Expressão de que o silêncio nunca foi total e que a vontade de comunicar não desapareceu, as emissões de rádio que Matt Johnson foi apresentando na sua Radio Cineola representaram uma rara janela aberta ao seu mundo. E mais recentemente, em dia de eleições no Reino Unido, Matt montou uma emissão especial de 12 horas, à qual chamou convidados, uns para tocar versões das suas canções, outros para discutir temas do presente. Foi em volta dessa jornada que Johanna St. Michaels criou o filme. E, agora, eis que surge uma caixa de três discos que não só junta material que associamos diretamente ao filme como assinala a primeira edição em nome dos The The desde o trio de bandas sonoras que representaram tudo o que musicalmente de novo levou a disco depois de Naked Self (do ano 2000).
Na verdade este tríptico não é ainda um “novo” álbum dos The The, apesar de um dos álbuns incluir aquela que é a primeira nova canção que apresenta em nome da banda em muitos anos e que foi gravada com o coletivo que juntou pelas alturas de Mind Bomb, o disco de 1989 que assinalou a transformação do que havia sido um projeto essencialmente a solo (com colaborações) num formato mais clássico de grupo. Ou seja, Johnny Marr voltou a gravar em estúdio com Matt Johnsson… E dali nasceu o belíssimo We Can’t Stop What’s Comming, imediatamente reconhecível com marcas de identidade “clássicas” de The The, mas que não garante por si só que um novo ritmo de trabalho criativo devolva o músico a uma mais intensa escrita de canções.
Na verdade, a esmagadora maioria das canções que encontramos nesta caixa nem são novas nem surgem na sua voz. E estão concentradas no primeiro dos três discos que, com o título The End of The Day, apresenta uma série de versões (por vezes de pendor jazzy) de canções dos The The numa lista de memórias que recuam às origens discográficas do projeto, em 1981, e avançam (salvo o novo tema) até Naked Self, na verdade com uma maior concentração de temas recolhidos quer nesse disco de 2000 quer em Dusk. São chamados a colaborar nomes como os de Thomas Leer, Anna Domino ou Thomas Feiner, juntando esta viagem um conjunto de figuras que cruza gerações e estados de relacionamento com Matt Johnson, desde antigos parceiros de trabalho a outros que se confessam admiradores da sua obra. O segundo volume corresponde a uma leitura, por Matt Johnsson, com cenografia em áudio devidamente construída, do ciclo poético The Inertia Variations, de John Tottenham, que de resto dá nome ao filme. E ao terceiro disco, Midnight to Midnight, cabe a expressão da música eletrónica criada para a banda sonora, à qual se juntam excertos de entrevistas que sublinham a dimensão política do conjunto. A música aqui segue trilhos mais ambientais, mas tensos, como que ciente de que, mais do que um momento de celebração de um reencontro de um músico com os seus admiradores, esta ocasião chega num tempo em que o mundo está longe de ser um mar de rosas…
Mesmo não sendo “o” álbum dos The The que os admiradores de Matt Johnsson esperam desde o ano 2000, o tríptico lançado sob a designação Radio Cineola: Triogy assinala mesmo assim a abertura de um novo ciclo, já que há datas ao vivo agendadas para 2018… Veremos depois o que mais vai acontecer…
“Radio Cineola: Trilogy”, com os álbuns “The End of The Day”, “The Inertia Variations” e “Midnight to Midnight”, está disponível em 3LP, 3CD e nas plataformas digitais, numa edição Cineola, com distribuição pela Popstock. ★★★★
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