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Distraidamente privilegiado

Texto: DANIEL BARRADAS

Dois meses a ouvir o álbum “Distraction sickness” sem me preocupar em saber quem era a banda Dark Rooms fizeram com que o concerto em que os vi fosse uma surpresa e um privilégio.

É estranho ver como o negócio da música mudou. Esta segunda-feira fui a um concerto da banda americana Dark Rooms em Oslo. O público eram 20 pessoas. Para mim foi um choque.

Distraction sickness, o segundo álbum da banda, é um dos melhores momentos pop deste ano. O que poderia ter sido simplesmente um disco de canções simpáticas ergue-se bem acima da média graças a arranjos que roçam o genial no modo como combinam o som de orquestra com as electrónicas e samples ou como temperam as canções com um quanto baste de saborzinho a R&B da geração Beyoncé/James Blake.

O álbum chegou-me aos ouvidos pela canção I get overwhelmed que se infiltrou numa qualquer playlist do Spotify. Confesso que passo os ouvidos muito levianamente por playlists sugeridas pela máquina, mas esta foi uma canção a que prestei atenção por mais de 10 segundos e quando a meio entraram a trompa e a orquestra, eu estava conquistado. Quem mais anda a fazer pop com trompas épicas?! (A resposta era para ser “ninguém”, mas há os Pet Shop Boys … pronto… percebem o que quero dizer…)

Passei dois meses a ouvir o álbum sem me preocupar em saber nada sobre a banda, mas quando reparei que viriam actuar em Oslo não hesitei em comprar bilhetes. Como o concerto era num local que leva bastantes pessoas, simplesmente presumi que estaria cheio. Como não, se é uma banda com um som polido e bem produzido e com canções capazes de agradar a um largo público? Mas foi uma surpresa chegar ao Parkteateret e deparar com a sala dividida a um terço com uma cortina negra e perceber que não éramos mais de 20 no público.

Felizmente, isso não deteve a banda de dar um excelente concerto. Bem podíamos ser 20 mil e estar num estádio e eles teriam sido igualmente profissionais. Mas não deixa de ser estranho que uma banda de músicos a transbordar de talento, com um som impecável e canções pop perfeitas não chegue a um público maior.

Em casa, olhei para o vinil que lhes comprei directamente da mala que abriram frente ao palco no final do espectáculo e vi que é uma edição de autor. Como os tempos mudaram… No antigamente de apenas há alguns anos atrás ninguém conseguiria um som tão perfeito e sofisticado sem o dinheiro de uma grande editora por trás…

Estava então na altura de me valer da santa internet para me informar minimamente sobre a banda. Quem está afinal por trás dos Dark Rooms é Daniel Hart, compositor de bandas sonoras, trabalho que financia a sua “aventura pop” nos Dark Rooms. (I get overwhelmed foi originalmente criada para a banda sonora do filme A ghost story). Músico de educação clássica mas eclética, é ele a visível força motriz da banda. Para além das composições e arranjos, em palco desdobra-se a cantar, a tocar violino e guitarra e a gerir uma parafernália de pedais e samples.

Ao vivo, a banda não perde nada da sofisticação do seu som. Se os arranjos orquestrais do álbum soavam profissionais é porque verdadeiramente o eram. Ver uma banda em que os músicos dialogam e se completam é um prazer. É raro que na pop eu fique tão hipnotizado pelo trabalho físico dos músicos como acontece numa orquestra. Os Dark Rooms são neste momento uma banda capaz de construir uma complexidade sonora feita de pequenos pormenores, onde os músicos contribuem sem esforço para um todo que flui organicamente, bem longe do piloto automático de algumas bandas veteranas que me têm desiludido ao vivo recentemente (estou a pensar em vocês, Sigur Ros!)

Se por um lado me entristece o facto de uma banda deste calibre não estar a chegar a um público maior, por outro não deixo de me espantar que estes músicos consigam por si mesmos fazer um belo e genuíno trabalho que chega directamente de Los Angeles até mim e outros 19 gatos pingados, numa segunda-feira à noite em Oslo. Enquanto insistia em pagar mais pelo disco do que o que o membro da banda me pedia, fiz questão de lhe agradecer e dizer que me sentia privilegiado. E é a verdade. Assistir a momentos como este, ter acesso a música desta, são coisa a que é preciso dar o devido valor. Obrigado, Dark Rooms. Estava distraído, mas agora já sei quem são!

Podem ouvir “Distraction sickness” na página da banda:

https://darkroomsmusic.bandcamp.com/

Dark Rooms – “Distraction sickness”
Dark Rooms 2017 ★★★★

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