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Como fechar um ciclo imperfeito

Texto: GONÇALO COTA

Oito anos após o etéreo “Xinti”, Sara Tavares dissolve um ciclo pessoal, marcado pela intermitência, através de um disco que tem propriedades de ritual de passagem.

Quase integralmente cantado em crioulo, Fitxadu serve de interface entre a necessidade de explorar novas propriedades musicais, mais angulosas e urbanas, e um olhar antropológico sobre a diversidade vivencial e cultural africana da cidade que a viu nascer: Sara parou, olhou e avançou pelas sonoplastias do agora, mais dançáveis, experimentadas por nomes como Mayra de Andrade ou Lura, e procurou encapsular o festejo incessantes de emoções, laços e afectos numa experiência sensorial de pé na terra que trouxe para este quinto álbum, já bem longe da sonoridade da menina que cantava baladas no Chuva de Estrelas ou que timidamente aceitou o convite de Rosa Lobato Faria para participar (e ganhar) o Festival da Canção de 1994.

Kalaf Epalanga, Toty Sa´Mendes, com quem canta conjuntamente Brincar de Casamento, ou Cachupa Psicadélica são alguns nomes que ajudaram a preencher as formas de Fitxadu, ligados necessariamente ao hibridismo entre as sonoridades provenientes de países africanos de expressão portuguesa – como a kemba, as mornas, kuduro e kizomba – e o perfume das electrónicas, que aqui encorpam e elevam a lírica de Sara Tavares, como sempre, centralizada no campo relacional, incorpóreo e espiritual. A preocupação em não perder a identidade soul, certamente importante na manutenção de uma sensação de continuidade e identificação, mas que em músicas como So Sabi ou Ginga cria, em momentos, uma narrativa desarmónica.

Uma verdadeira declaração de novas (e boas) intenções, Fitxadu, apesar do seu significado em crioulo cabo-verdiano, não é traduzido musicalmente como um fechamento: é a visão amadurecida e nada negligente dos novos contornos de uma certa sonoridade que parecia povoada apenas pela sombra incessante de Cesária Évora. De formas mais urbanas, este é um álbum-ruptura ao som que nos habituou e ao o ciclo vivencial de Sara Tavares, recolocando-a, agora de forma distinta, como uma das sonoridades mais interessantes da world music.

“Fitxadu”, de Sara Tavares, está disponível em CD e nas plataformas digitais numa edição da Sony Music ★★★★

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