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Os dez melhores singles de Björk

Texto: NUNO GALOPIM

Com o novo disco de Björk a chegar eis que apresentamos um olhar pela carreira da cantora islandesa feito através dos seus melhores dez singles editados a solo.

Em tempo de chegada de um novo álbum de originais gravados em estúdio propomos um mergulho pela já vasta discografia de Björk editada a solo. É uma obra que cruza já várias décadas e abordagens a formas e sonoridades, que abarca uma série de experiências onde o gosto pelo desafio suplanta sempre a possibilidade da repetição e que tem sido caracterizada por sucessivas colaborações com figuras de proa, sobretudo na área do trabalho com eletrónicas (na música), mas também com um claro interesse pela expressão visual de todas estas ideias.

Esta é, como todas as demais, uma lista pessoal. Pelo que é do gosto de quem a faz que resulta esta seleção… Nenhuma lista “o melhor de” pode nascer, de resto, sem que um gosto a defina… Porque não juntarem, nos comentários, as vossas próprias listas? Para já, aqui vai a minha, a apresentar (como habitualmente) ao ritmo de um single por dia…

1. “All Is Full Of Love”
Desde que inventou as máquinas, sobretudo aquelas que se procuram parecer com o próprio ser humano, a humanidade tem sonhado sobre se, na verdade, a sua criação deseja ser como o criador. Esta história é antiga… Desde a história de Pinóquio (de Carlo Collodi) a variações mais recentes e tecnologicamente avançadas da mesma ideia que vão de Do Androids Dream of Electric Sheep de Philip K. Dick (o conto na base de Blade Runner) a Supertoys Last All Summer Long de Brian Aldiss (o conto que inspirou Kubrick para o projeto que Spielberg depois concretizou como A.I. Inteligência Artificial) temos já assimiladas inúmeras histórias e visões de máquinas que “sonham” (e esse é já um “sentimento” bem humano) em ser como os seus criadores… Uma das mais belas e arrepiantes dessas expressões de sonho de humanidade é a cena de amor entre dois robots que, numa realização de Chris Cunningham, domina as imagens do teledisco que acompanha All Is Full Of Love, de Björk. Apesar da carga mitológica nórdica que pode ter passado pela conceção da canção, foi a sua versão por Howie B que, ao ser editada em single em 1999, fez deste episódio na discografia de Björk um momento icónico na história do relacionamento da música com as imagens. O que não secundariza o facto de ser também uma das mais brilhantes criações de toda a obra da cantora islandesa.

2. “Human Behaviour” (1993)
Com uma versão inicial composta em 1988, ainda Björk estava a bordo dos Sugarcubes, Human Behaviour é um retrato de nós mesmos (seres humanos) feito através do ponto de vista dos animais e, reza a mitologia, nasceu diretamente inspirada pelas imagens dos programas de David Attenborough. Trabalhada em parceria com Nelee Hooper, a canção vincou os caminhos de abordagem a ferramentas eletrónicas que Björk procurava depois de terminada a aventura com os Sugarcubes e sendo chegada a hora de editar um álbum a solo, ao qual chamou Debut (apesar de ter na sua discografia um outro disco a solo editado largos anos antes, num registo completamente diferente). Human Behaviour foi escolhido como single de apresentação e foi, por isso, o cartão de visita de uma nova etapa na vida da cantora que, desde então, tomou as rédeas do seu percurso artístico em nome próprio. O tema foi acompanhado pelo primeiro teledisco criado por Michel Gondry para Björk. Convenhamos que não podia ter começado de melhor forma…

3. “Hidden Place” (2001)
Quantas vezes os processos criativos são desencadeados por ações de reação ao que antes aconteceu… E aqui está mais um exemplo. Ao mesmo tempo em que trabalhava tanto na rodagem de Dancer in The Dark, de Lars Von Trier, como na criação das Selmasongs que serviram a banda sonora do filme (num disco que traduz a expressão mais intensa do seu trabalho para arranjos sinfónicos), Björk começou a trabalhar, nas horas vagas, num projeto que representava precisamente o oposto. A introspeção no lugar da extroversão. O detalhe microscópico em vez das batidas intensas. A presença de mais protagonismo das vozes (o que a conduziria mais adiante a Medúlla) em lugar da carga instrumental dos arranjos dos três primeiros álbuns… Surgiu assim o caminho que a conduziu a Vespertine, um dos mais belos momentos de toda a sua discografia e que conheceu perfeito cartão de apresentação em Hidden Place, canção que foi apresentada na companhia de um teledisco criado por Inez van Lamsweerde e Vinoodh Matadin que em tudo vincada as estratégias de mergulho interior que a nova música então sugeria.

4. “Hunter” (1997)
Originalmente estreada no Tibetan Freedom Concert (1997), Hunter é uma canção que em tudo traduz o “programa” estético definido por Björk quando, depois de Post, resolveu encarar o passo seguinte – ou seja, o álbum Homogenic – como uma construção de diálogos entre as eletrónicas e arranjos para orquestra. A canção, que tem uma arquitetura suportada por uma estrutura rítmica com ecos de qualquer coisa militarista, sugere a ideia de uma missão em que a protagonista parte em busca de algo… Uma caça, mas sem um objetivo evidentemente definido (apesar de afirmar que sonhava organizar a liberdade, numa possível alusão ao sentido que define as éticas que conduzem as democracias do grande norte). Depois de Jóga e Bachelorette coube a Hunter o papel de ser o terceiro (entre os cinco) singles extraídos do alinhamento de Homogenic. Apesar do teledisco criado por Paul White, que explorava novas possibilidades do digital, Hunter ficou comercialmente aquém dos dois singles que o precederam. O tempo deu-lhe contudo estatuto e, chegada a hora de uma sondagem entre fãs ter definido o alinhamento de um “best of”, a canção lá ganhou o seu (merecido) lugar entre as melhores de Björk.

5. “The Gate” (2017)
Deve um single de avanço ser uma porta para a revelação do que o álbum que se segue nos guarda? Um aperitivo? Crendo que a resposta à questão seria um “sim”, convenhamos que Björk não podia ter encontrado melhor pontaria ao definir The Gate como o momento em que nos começou a revelar o que seria o disco que, depois de uma etapa de resolução da dor causada por uma separação, uma utopia (e os sonhos e as preocupações que a alimentam) poderia estar agora pela sua frente. Ao chamar o venezuelano Arca – com quem trabalhara já em momentos de Vulnicura – à escrita e produção das canções mais não fez do que assegurar (uma vez mais) uma capacidade em dialogar com as linhas da frente da invenção eletrónica. Mas não se esgota aí o pensamento musical de um disco que decidiu explorar como material musical o ar e os afluentes do silêncio… The Gate respira o som das flautas (que agora encontramos bem presentes em Utopia) e aborda as filigranas de desenho eletrónico sob uma moldagem que quase confere aos sons uma identidade viva, biológica, em constante movimento. O tema (que mora nos antípodas do que seria o paradigma da canção pop) foi magnificamente acompanhado por um teledisco de Andrew Thomas Huang que em tudo soube sublinhar pelas imagens as sugestões dadas pela música.

6. “Isobel” (1995)
Há canções que, como pequenas narrativas, criam personagens e contam as suas histórias. Isobel (o segundo single extraído do álbum Post) é, na verdade, parte de um tríptico de canções através das quais Björk definiu e revelou a história de uma personagem, num arco narrativo iniciado em Human Behaviour e concluído depois em Bachelorette. Ou seja, entre os seus três primeiros álbuns de estúdio, este foi um dos elos de ligação que entre si definiram caminhos de continuidade. Apesar de ter sido a segunda das canções do tríptico, liricamente Isobel juntou a esta “história” o primeiro episódio de colaboração na escrita com o poeta Sjón, com o qual militara num grupo artístico ainda nos tempos em que integrava os Kukl. Musicalmente a canção reflete já claras visões de uma vontade em trabalhar arranjos mais elaborados e orquestrais, sugerindo caminhos que o álbum seguinte haveria de aprofundar. Tal como acontecera antes com Human Behaviour e voltaria a ganhar forma em Bachelorette, Isobel contou com um teledisco assinado por Michel Gondry.

7. “Cosmogony” (2011)
A obra de Björk tem procurado ser mais do que uma mera rotina feita de sucessões de lançamentos de discos e de calendários de atuações ao vivo. Há na condução dos destinos de cada nova etapa um pensamento que define os rumos exploratórios, na verdade mais interessados no desafio artístico do que na construção de mais um momento para servir uma “indústria” do espetáculo. Há por isso uma demanda temática a definir novos passos, assim como um desejo em trabalhar ferramentas que lhe possam dar formas que procurem acrescentar novos passos e não repetições face ao que antes experimentou. Biophillia juntou essa ideia de demanda temática e musical – num disco que explorava os temas da natureza e da tecnologia num quadro instrumental que procurava também novos caminhos na vanguarda do desenho de sons – a uma vontade em trabalhar novas tecnologias multimédia. Cosmogony, segundo single extraído de Biophillia, nasceu com uma app em mente. Mas não deixa de ser uma belíssima canção que se resolve em si mesma, apenas pelo som. E que mostra caminhos de confluência de experiências anteriores (as vozes de Vespertine, os metais de Volta), servindo de ponte para os universos que o novo álbum então revelava.

8. “Bachelorette” (1997)
O sucessor de Jóga como segundo single extraído do alinhamento de um álbum votado à exploração do relacionamento do trabalho entre batidas eletrónicas e arranjos orquestrais elevou a voz de Björk um patamar de grandiosidade sinfónica que conheceria desenvolvimentos vários, um dos mais notáveis surgindo pouco depois em Selmasongs, álbum com a música por si criada para o filme Dancer in the Dark, de Lars Von Trier, que ela mesma protagonizou. Bachelorette tinha na verdade surgido com o cinema em mente, já que fora originalmente composta para um projeto de Bernardo Bertolucci. Björk não a deixou na gaveta e juntou-a ao alinhamento de Homogenic. E na hora de apresentar a canção como single juntou-se a um teledisco de Michel Gondry que é um dos melhores exemplos do formato como espaço para a construção de pequenas narrativas.

9. “Big Time Sensuality” (1993)
Depois de terminada a aventura dos Sugarcubes Björk mudou-se para Londres e procurou explorar caminhos diferentes daqueles que havia até então tomado a bordo das bandas nas quais militara. Focou atenções nas eletrónicas e definiu primeiros jogos de parcerias com novos colaboradores. Um deles foi Nellee Hooper, figura ligada ao coletivo Wild Bunch (do qual entretanto haviam nascido os Massive Attack) e que poucos anos antes havia ganho reconhecimento global pelo seu trabalho no álbum de estreia dos Soul II Soul. Big Time Sensuality, canção pop exuberante e dançável na qual ambos trabalharam foi uma das últimas a surgir nas sessões de trabalho do álbum Debut e chegou a ser ponderada como single de avanço. Não o foi, mas acabou por se transformar mesmo assim num dos clássicos deste período, facto que se deve também à oportuna remistura dos Fluke usada no single e ao belo teledisco se Stéphane Sednaoui que leva a cantora a dançar, pelas ruas de Nova Iorque, nas traseiras de um camião… As imagens foram tão marcantes que geraram descendência até mesmo no humor, com uma bela paródia assinada pela dupla French & Saunders.

10. “Possibly Maybe” (1996)
Depois de uma soberba estreia com Debut (em 1993) ao segundo disco de originais a solo (Post, de 1995) Björk aceitou o desafio de explorar várias frentes possíveis para a invenção da canção, indo então desde as eletrónicas mais intensas de Army Of Me (escrito em colaboração com Graham Massey, dos 808 State) aos terrenos do jazz numa versão de It’s Oh So Quiet (que na origem é uma canção alemã dos anos 40). Entre os seis singles que seriam extraídos de Post surgia um que, apesar de ter ficado mediaticamente aquém dos recentes Hyperballad ou It’s Oh So Quiet, acabaria por ser dos que mais pistas lançaria para o futuro na obra da cantora ao sugerir um modo de explorar as periferias do silêncio. Canção sobre as possibilidades do amor, Possibly Maybe nasceu em colaboração com Nelee Hooper, assimilando elementos com afinidade para com o trip hop, que então dava que falar.

1 Comment on Os dez melhores singles de Björk

  1. Adorei este post, estou numa fase de ouvir Bjork incessantemente e suas indicações foram perfeitas. Bjo grande.

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