O regresso de um estranho
Texto: NUNO CARVALHO
Paris, Texas (1984) é certamente o filme de Wim Wenders mais amado pelo público, mais aclamado pela crítica e um dos mais premiados (valeu-lhe a sua única Palma de Ouro em Cannes). Um filme de uma simplicidade tocante (o que, convenhamos, é sempre o mais difícil de conseguir e, como tal, também o mais meritório), com coração mas nunca sentimentalista, feito com inteligência narrativa, estética e humana mas sem nunca ser cerebral. Enfim, e para celebrarmos o direito ao lugar-comum, é uma “carta de amor à América”, sobretudo a uma América idealizada, romanesca e cinematográfica.
O enredo do filme também é simples e pode condensar-se numa frase (aliás, todas as verdadeiras boas histórias podem resumir-se numa sinopse curta – mas é claro que isso depende muito do poder de concisão de quem a faz; quando as sinopses andam às voltas para encontrar o ponto de um filme e parecem não encontrá-lo ou estão malfeitas ou é a história do filme que não está bem contada…) Travis Henderson (Harry Dean Stanton) é encontrado a vaguear pelo deserto, aparentemente amnésico e afásico, é recolhido pelo irmão (Dean Stockwell), reencontra na casa deste em Los Angeles o filho, Hunter (Hunter Carson), de 7 anos, que durante os quatro anos de ausência do pai ficou à guarda do irmão e da ex-cunhada, e parte com ele numa viagem em busca da sua mãe, Jane (Nastassja Kinski).
Paris, Texas é um cruzamento de road movie com drama familiar, que, apesar de ter uma resolução narrativa minimamente libertadora, está bem longe de ser redentor. A verdade é que o casal outrora formado por Jane e Travis, cuja harmonia familiar é evocada através de um filme caseiro, talvez nunca mais volte a existir (ambos casaram-se numa fase da vida em que decerto eram ainda demasiado imaturos para resistirem como família, e talvez também fossem assimétricos em demasia para que o amor resultasse). A esta mescla junta-se ainda a beleza das paisagens (nomeadamente o deserto da região sudoeste, o vale de San Fernando e os canyons de Houston), robustecida pelos acordes minimalistas da banda sonora de Ry Cooder e pela direção de fotografia de Robby Müller (habitual colaborador de Wim Wenders e responsável, por exemplo, pela imagem de filmes como Homem Morto, de Jim Jarmusch, ou Ondas de Paixão, de Lars von Trier). O argumento é do ator e dramaturgo americano Sam Shepard.
Este pack Wim Wenders inclui ainda os filmes O Amigo Americano (1977), O Estado das Coisas (1982) e As Asas do Desejo (1987). Com Dennis Hopper e Bruno Ganz, O Amigo Americano adapta de forma livre o romance Ripley’s Game, de Patricia Highsmith, e constituiu a grande revelação internacional do cineasta alemão, tendo vencido um César de melhor filme estrangeiro. Produzido por Paulo Branco e rodado em Portugal há mais de três décadas, O Estado das Coisas acompanha uma equipa de filmagens que roda um remake de um clássico de série B perto de Sintra cujo realizador parte para Los Angeles em busca do produtor desaparecido. O filme venceu o Leão de Ouro em Veneza. Por fim, As Asas do Desejo passa-se na Berlim dos pós-II Guerra Mundial e segue dois anjos que caminham invisíveis pela cidade. Com a colaboração de Peter Handke no argumento, venceu o prémio de realização no Festival de Cannes.
Caixa Wim Wenders (4 DVD ), edição de colecionador da Leopardo Filmes
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