Para acabar de cantar as memórias de Carrie e Lowell…
Texto: NUNO GALOPIM
O pontual regresso ao Oregon, onde viveu parte da infância e o tom profundamente pessoal e elegíaco que Sufjan Stevens convocou para criar as canções de Carrie & Lowell afastaram-no dos caminhos de maior ousadia formal e experimentação instrumental que havia comandado os trabalhos nos seus discos mais recentes. Com uma guitarra acústica ou um banjo, sussurrando naquele tom cândido e doce com o qual nos costuma cantar, ocasionalmente socorrendo-se de outras fontes instrumentais, o músico, que chegava nesse mesmo 2015 aos 40 anos, olhava então para si, para o seu passado, evocava memórias lembrando uma mãe alcoólica, depressiva e instável. O disco, de uma ternura arrebatadora, mesmo quando há episódios difíceis e memórias pesadas a lembrar, foi rapidamente aclamado como mais um momento de absoluta referência numa das mais criativas e cativantes obras em construção no nosso tempo. Assim foi há dois anos, abrindo um ciclo pontualmente cruzado pela apresentação do projeto coletivo Planetarium mas que, depois do álbum de estúdio de 2015 conheceu depois um segundo episódio no disco ao vivo Carrie & Lowell Live (já de 2017) e, agora, vive ainda um outro momento mais com o lançamento de um álbum que se apresenta mais como uma mixtape mas que serve em pleno de complemento (e companheiro) ao que nos mostrou o belíssimo Carrie and Lowell.
The Greatest Gift Mixtape: Outatkes, Remixes & Demos From Carrie & Lowell apresenta sobretudo maquetes, takes com arranjos alternativos e remisturas. Mas tem como prato principal um conjunto de inéditos surgidos neste mesmo quadro criativo mas que juntam alguns elementos cénicos mais evidentes do que o que encontrámos nos temas de Carrie and Lowell (não significando contudo que retomem os trilhos de intensidade e experimentação maiores de The Age of Adz). Wallowa Lake Monster abre o alinhamento com uma canção que segue o clima sugerido em Carrie and Lowell (e vinca a geografia do Oregon que serve de epicentro às canções desse disco de há dois anos), alargando as noções de espaço a arranjos de horizontes mais abertos, melancólicos ainda, mas menos sombrios, as eletrónicas e os coros servindo aqui novos tons a uma música que, mesmo assim, está claramente em sintonia com as trovas do álbum de 2015. O inteligente acoplamento dos temas desenha um alinhamento que sugere caminhos ordenados, juntando a Wallowa Lake Monster as remisturas de Drawn To The Blood e Death With Dignity, esta por Helado Negro, que sublinham e reforçam o tom que domina a abertura do disco (num clima que mais adiante é retomado numa remistura ambient do belíssimo Exoploding Whale). Só depois entramos em espaços de mais espartana instrumentação com maquetes, uma versão “dedilhada” de Drawn To The Blood e outros belos inéditos, entre os quais The Greatest Gift, escolhido como single de apresentação.
Se é verdade que o superlativo Planetarium, apresentado em conjunto com Nico Muhly, Bryce Dessner e James McAlister, fizera já as honras de nos trazer nova música de Sufjan Stevens a este ano de 2017, este disco-companheiro de Carrie and Lowell acaba agora por ser das peças mais saborosas que o ano nos deu a escutar…
“The Greatest Gift Mixtape: Outatkes, Remixes & Demos From Carrie & Lowell”, de Sufjan Stevens, está disponível em cassete e nas plataformas digitais numa edição da Asthmatic Kitty. Um lançamento em vinil está agendado para o dia 8 de dezembro. ★★★★★
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