“Star Trek: Discovery”, ou como superar as expectativas
Texto: NUNO GALOPIM
Convenhamos que não era um desafio fácil. Mas exequível… Os últimos filmes da “next generation” e a série Star Trek: Enterprise (e, para sermos justos, as próprias Deep Space Nine e Generation) exibiam sinais de desgaste tal que, há uns anos, poucos acreditariam que o universo de ficção criado na década de 60 por Gene Roddenberry poderia conhecer mais vidas que as muitas que já tinha vivido… Mas eis senão quando JJ Abrams, que nem sequer tinha um historial pessoal de admiração maior por este universo, reinventou Star Trek para uma nova geração, assinando dois filmes que merecem estar citados entre ops melhores que toda esta “família” de acontecimentos gerou já no grande ecrã. Seguiu-se depois, é verdade, um, terceiro filme pós-reboot, mais preocupado na vertigem da imagem do que com uma narrativa assente na exploração das personagens e contexto. E Star Trek: Além do Universo (2016) representou o mais recente “acontecimento” antes da chegada ao pequeno ecrã de uma nova série… O que poderíamos esperar de Star Trek: Discovery?
O primeiro episódio, na verdade um tele-filme, deixou boa impressão. Reinventava tudo. De uma perspetiva pouco fácil… E ousada…
Colocando a ação antes da série “clássica” original (o que não era por si só uma novidade, já que Star Trek: Enterprise o mostrara) a nova vida de Star Trek no primeiro ecrã teve, contudo, a cautela de, tal como sucedera em Star Trek: The Next Generation, assegurar ligações naturais com a mitologia da série. E logo nos episódios que vimos nesta primeira parte da primeira temporada (a segunda parte chega em janeiro) houve não só presenças – embora com outros atores – de personagens já antes conhecidas como o embaixador Sarek e o vilão-malandrão Harry Mudd, referências a Spock, sendo que a protagonista, Michael Burnham, é nada mais nada menos que filha de Sarek e, por isso, irmã da figura histórica criada por Leonard Nimoy e que por isso é talvez o mais firme ícone do universo Star Trek…
Se na definição das personagens e do contexto houve uma vontade em fixar raízes na mitologia da série (mesmo criando um conflito com características inesperadas face ao que dele se “sabia” antes), já na abordagem visual a nova série não teve receio em pensar com ousadia. E na melhor expressão da velha máxima “e agora para algo completamente diferente” apresentou uma visão (física) dos klingon distinta, assim como uma abordagem visual aos interiores dos espaços e guarda roupa que estão claramente mais perto de linguagens contemporâneas do que da vontade em servir revisitações de formas e cores de outras… vidas.
Foi contudo no plano da construção narrativa (e na consequente exploração das personagens) que Star Trek: Discovery jogou os seus trunfos. Apostou na construção de um arco narrativo que se estende de episódio para episódio em vez de tratar cada um como um “conto” que se resolve em si mesmo. Ao mesmo tempo que esse grande arco evolui – acompanhando o eclodir de um conflito galáctico, a descoberta de uma nova forma de propulsão e uma tentativa de luta contra uma nova arma do inimigo – há ali espaço para a apresentação gradual das personagens, aprofundando entre cada uma e os seus relacionamentos os sinais de diversidade e tolerância de que Star Trek sempre foi um veículo à frente do seu tempo.
Chegados ao fim da primeira parte da primeira temporada, Star Trek: Discovery é uma missão (bem) cumprida. Com as qualidades que se recordam da série clássica e da “next generation”. Mas com um trabalho de escrita, de imagem e de realização que lhe dão já crédito por si mesma sem a necessidade de convocar a caução do passado. Que tenha longa vida e prospere….
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