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Vodafone Mexefest: oito edições, oito concertos

Texto: GONÇALO COTA

200 anos após a expedição de Louis e Clark, o Vodafone Mexefest continua a apostar no fascínio causado pelo misterioso como motor da ânsia de explorar: desta vez, os terrenos desconhecidos do Estados Unidos são trocados pelas sonoridades exóticas que povoaram a Avenida da Liberdade este fim-de-semana.

Washed Out

E se o português de uma rapper de Manchester soasse de forma fluída e primorosa? IAMDDB, um acrónimo para I am Diana de Brito, apresenta no país que a viu nascer um trap de semblante jazzístico, sem com isso esquecer as propriedades emancipatórias do rap. Em menos de um ano, lança três EP que a fazem florescer e destacar numa cena musical que se quer urbana e efervescente: do último, Hoodrich Vol. 3 (2017), Shade, num registo puramente trap, conseguiu ter força necessária para mexer cada átomo dentro do Capitólio. Jogando em casa, o desconforto do uso excessivo de inglês em nada atingiu o ambiente de familiaridade e de cumplicidade que conseguiu cristalizar.

O chillwave de Washed Out, projeto do americano Ernest Greene, é apenas interessante quando percebido como experiência multimédia: não fosse pela moldura visual psicadélica, o minimalismo electrónico em Mister Mellow (2017) perder-se-ia no grande palco do Coliseu – apenas com exceção de Hard To Say Goodbye, uma proposta de electrónica mais pulsante e solarenga. Não convenceu.

Se de Manel Cruz retenho a sonoplastia particular de O Monstro Precisa de Amigos (1999), a minha primeira referência musical, o concerto no Tivoli permitiu retrospetivar e projetar a lucidez criativa do vocalista de Ornatos Violeta e Foge Foge Bandido, agora em nome próprio, lançando um álbum no ano próximo. Intrigantes, diarísticas e iconoclastas, Ainda Não Acabei, Missa ou Beija-Flor desenharam quase na integra o alinhamento, repartido entre as músicas do álbum sem nome ainda conhecido e voz-off de figuras como Marcelo Rebelo de Sousa ou Cavaco Silva. A paisagem cénica tinha tanto laboratorial como de owerlliana, de quem tudo ouve e tudo vê.

A pop sonhadora e melancólica de Cigarettes After Sex, no álbum homónimo (2017), habita, de forma substancialmente menos interessante e encorpada, o universo lúdico de Mazzy Star: ao vivo, a dramaturgia inexistente, o never-ending musical numa forçosa embalagem existencialista e contemplativa, tudo o que apresentaram é desinteressante e desimaginativo, repetitivo no som e nas formas. O Coliseu, esse, estava cheio…

O primeiro disco de Vaipraia e as Rainhas do Baile, 1755 (2017), recoloca a experiência pessoal fora do deslumbramento juvenil, sendo a figura que sobe a palco, com aspetos de noiva que gradualmente se desintegra, responsável por dar voz, através de uma sonoridade punk de tonalidades pop, à verdadeira natureza crua e cruel da experiência queer. Kate Winslet ou Coelhinho foram algumas das canções que expõem as dificuldades dialéticas entre uma identidade em pleno confronto com o espectro curto da normatividade, a solidão, a realidade do cruising e do straight-acting.

É impossível dissociar o campo político da experiência pessoal. Pelo menos é assim o rap que Allen Halloween canta, numa voz profunda, há anos: Unplugueto, álbum que editará em breve e que apresentou no Capitólio, não esquece a violência policial, a vivência e as dificuldades de quem está no espaço sideral de um sistema que imprime continuamente vantagens já é bem-sucedido. José Afonso ou canções de Árvore Kriminal (2011), álbum que o consagrou como uma das vozes mais importantes do hip-hop português, fizeram também parte do certame de um dos concertos mais antecipados.

Aquando o lançamento de Ison (2017), escrevi que “o experimentalismo de Sevdaliza permitiu-lhe agora encontrar novas texturas, numa permanente exploração da identidade como múltipla, fragmentada e, acima de tudo, vulnerável”. A trip-pop vulnerável desvaneceu, encorpou-se e ganhou com uma atitude de palco emancipada: Sevdaliza, acompanhada em grande parte do concerto por bailarino, concede a textura através de uma dança que pede emprestada a essência de odalisca das Mil e Uma Noites e de profunda relação com a uma efusividade vinda do público.

O motor sempre foi a vontade de mostrar música dançável, que seja ao mesmo tempo identitária, pessoal e política, o motivo é a apresentação do longa-duração Hypersex, lançado em outubro: Moullinex, responsável juntamente com Xinobi pela editora Discotexas, mostrou-nos como se faz música saudável, que consiga namorar a pop, o funk e a disco sem trair uma certa identidade house. Os pés esqueceram o vai-e-vem pela Avenida e dançaram, no Coliseu, ao som dos efusivos Love, Love, Love ou Work it Out. A despedida do Mexefest.

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