Folk de câmara… mas no século XXI
Texto: NUNO GALOPIM
O desafio de cruzar linguagens (e experiências) entre os universos da música popular e o trabalho de interpretação e de composição com “escola” clássica tem gerado fascinantes coleções de canções. Ciclos, mesmo, em alguns casos, tal como os havia nos lieder do século XIX. Entre o visionário Songs From Liquid Days (1986), criado com palavras de David Byrne, Paul Simon, Suzanne Vega ou Laurie Anderson, entre outros, a Book of Longing (2007), que nasceu de uma parceria com Leonard Cohen, Philip Glass mostrou como era possível cruzar muros que outrora alguém julgara existir. Depois, entre discos como He Poos Clouds do projeto Final Fantasy (de Owen Pallett), uma homenagem a Nick Drake pelo Ensemble Phoenix Munich e a voz de Joel Frederiksen ou o recente projeto coletivo Planetarium (que envolve, entre outros, Sufjan Stevens e Nico Muhly), ficou claro que não havia limite ao horizonte das possibilidades. A parceria que se apresenta agora entre o sexteto de música de câmara yMusic e o trio fok The Staves é mais um exemplo desse desejo em aprofundar diálogos, assumindo o desafio da aventura.
Trio de irmãs com berço no Hertfordshire, as The Staves são aqui a “voz”, num registo que pisca o olho à presença igualmente de alma folk que Linda Rondstat levava às Songs For Liquid Days de Glass. O sexteto nova-iorquino, mesmo aceitando na sua alma as influências desse e outros minimalistas (na verdade John Adams parece aqui mais presente no seu DNA do que Philip Glass), molda as canções em jogos luminosos que as cordas e sopros desenham com a liberdade de sopros que passam entre os corpos que cantam e dali fazem as vozes voar a outras dimensões.
A menos que haja palcos para levar este ciclo de canções a plateias do mundo, as canções e visões que aqui nascem correm o risco de pregar apenas para os convertidos. Vale a pena não baixar braços e juntar este esforço a criações recentes de nomes como Son Lux, Nico Muhly, Sufjan Stevens e outros que, mesmo longe dos circuitos mais canónicos (da pop ou da clássica) estão a definir caminhos que caracterizam algo que é muito deste tempo… Se vamos dar por isso agora? Bom, quantas vezes na história a atenção chegou tarde demais?… Saberá a idade da comunicação global mudar as coisas? Não sei… E quando vejo o relatório anual de streams mais escutados no Spotify a destacar aborrecimentos como o são Ed Sheeran, Coldplay ou Imagine Dragons, acabo a pensar que não basta haver novas ferramentas para que uma nova ordem se possa comunicar…
“The Way Is Read”, do trio The Staves com o sexteto yMusic, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Nonesuch. ★★★★
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