Quando o silêncio não pode ser opção
Texto: NUNO GALOPIM
Estamos em França, no início dos anos 90. A epidemia da sida ceifa vidas há mais de dez anos, mas um estado generalizado de indiferença e até mesmo desconhecimento sobre a doença é dominante. A necessidade de agir, numa luta pela vida, faz com que ali surja, ao jeito do que sucedera nos EUA pouco tempo antes, uma associação ativista que resolve arregaçar as mangas de modo mais intenso, visível e incómodo na hora de ser ativista. E é aí que entramos em 120 Batimentos Por Minuto… Numa acção que é relatada depois numa reunião da Act Up francesa, à qual assistimos, tal como sucede com os quatro novos elementos que naquele serão ali estão também pela primeira vez. Como eles escutamos as regras do jogo, o que é a associação, como age e como eles mesmos se devem comportar tanto face à imprensa como nas reuniões, neste último caso para que se evite o caos e o tempo seja útil para as ideias e o encontrar de estratégias para as pôr em prática. Se o silêncio era o equivalente da morte – tal como se dizia no slogan “silence = death” – aqui lutava-se pela vida. O silêncio não era, portanto, nunca, uma opção.
Esta dimensão informativa que habita a sequência inicial do filme não o transforma de todo numa lição ao jeito de um docudrama. Pelo contrário, explica de forma clara o contexto no qual o texto depois nos faz mergulhar. E prepara-nos de forma esclarecida para tudo o que acompanhamos depois, a própria narrativa de ficção nascendo das figuras que ali encontramos e dos acasos que os episódios que se seguem sobre eles acabam por lançar. Esta é a sua história. E apesar de focada depois em personagens ficcionadas, fala-nos como um coro real que através deles agora canta. Porque é realista a linguagem usada pelo realizador e é também coletivo o drama que se materializa no ecrã naquele que foi um dos filmes de que mais se falou na edição deste ano do Festival de Cannes, onde venceu o Grande Prémio do Júri, o FIPRESCI, o Prémio François-Chalais (dedicado ao cinema que traduza os valores do jornalismo) e a Queer Palm.
A sida não está de todo ausente do cinema francês. E basta recordar um clássico como Les Nuits Favues de Cyril Collard (que curiosamente data de 1992, ou seja, do tempo retratado em 120 Batimentos Por Minuto) ou o belíssimo (mas entre nós ignorado) Les Témoins de André Téchiné (2007), ambos evocando memórias dos momentos em que a doença começou a surgir nas notícias e a fazer as suas primeiras vítimas. 120 Batimentos Por Minuto propõe contudo um ponto de vista diferente, mostrando uma dimensão mais política da epidemia, questionando os poderes, as morais instituídas, a ignorância, sem com isso deixar de mergulhar profundamente na dimensão humana figuras que protagonizam, além da luta comum, a sua dramática batalha individul contra a morte (e faça-se aqui devido destaque à composição das personagens e, em particuilar ao trabalho do ator argentino Nahuel Pérez Biscayart, que antes vimos já em filmes como Glue, de Alexis dos Santos ou Je Suis à Toi, de David Lambert, ambos exibidos entre nós pelo Queer Lisboa). 120 Batimentos Por Minuto acrescenta, assim, um importante novo capítulo à obra do realizador Robin Campillo, de quem o anterior Eastern Boys passou entre nós também numa edição do festival Queer Lisboa.
“120 Batimentos Por Minuto”, de Robin Campillo, com Nahuel Pérez Biscayart, Arnaud Valois, Adèle Haenel e Antoine Reinartz, está em exibição entre nós com distribuição pela Midas Filmes.
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