“Madonna”: uma estreia que, inesperadamente, marcou o seu tempo
Texto: NUNO GALOPIM
O alinhamento do álbum de estreia de Madonna é, mais do que um corpo coeso de canções trabalhadas sob um espirito comum, um retrato de um ano de intensas transformações que, aos poucos, foram moldando as ideias, acabando por definir (sem que então ninguém o imaginasse), um clássico que não só traduz ecos do lugar e do tempo em que nasceu mas definiu também sugestões de caminho futuro não apenas para a artista mas para outras que ali encontraram pistas que definiriam igualmente os seus percursos individuais.
A história do álbum que teve até à última hora o título de trabalho Lucky Star mas que foi editado simplesmente como Madonna começou bem antes das sessões de trabalho em estúdio com o produtor Reggie Lucas. Longe dos caminhos mais rock que seguira com o Breakfast Club, Madonna trabalhara três maquetes sob caminhos mais próximos de descendências do disco, somando influências electro funk e pop. E numa noite, em plena Danceteria (uma das discotecas mais em voga na Nova Iorque da alvorada dos oitentas) consegue convencer o DJ Mark Kammins a passar um desses temas. Chamava-se Everybody, entusiasmou a pista de dança e pouco depois, já depois do disc jockey ter mostrado a cassete a editores (tendo o mítico Chris Blackwell recusado lançá-la), surgia em single (em 1982), assinalando a estreia de Madonna em disco, alcançando um discreto número 107 na tabela americana.
O trabalho em estúdio para criar um álbum ganhou forma com um corpo original de canções compostas pela própria Madonna. Entre elas estava Burning Up, que acentuava a abordagem a uma pop dançável atenta aos caminhos mais atuais do labor com eletrónicas e programações e que foi escolhido como segundo single ainda antes de o álbum ter acabado de ganhar forma. Uma insatisfação com a forma final das canções ditou o afastamento de Lucas e a entrada em cena de John ‘Jellybean’ Benitez, DJ e produtor que remisturou então tanto Burning Up como Physical Atraction e Lucky Star (canção que seria escolhida como quarto single) e apresentou a Madonna uma canção de Curtis Hudson e Lisa Stevens que havia sido recusada pela ex-Supremes Mary Wilson e que se tornaria, pela visão mais edgy que então abordaram, numa das canções-assinatura de Madonna. Trata-se de Holiday (terceiro single do álbum e o primeiro a gerar um fenómeno com expressão internacional global) que, juntamente com os três outros temas remisturados por Jellybean, define a essência do som pop, com temperos do som dançável electro que marcava a noite nova-iorquina de então, que representa o tutano musical de um álbum feito de canções que essencialmente falam sobre relacionamentos. Algo discreta no alinhamento, a canção I Know It acabaria por sugerir visões pop que teriam expressão mais evidente um pouco adiante…
O sucesso obtido por Lucky Star e Holiday e o modo como Borderline (quinto single), manteve a chama acesa, cativou atenções sobre um álbum que teve uma evolução lenta, mas segura, no mercado norte-americano (alcançando 2,5 milhões de unidades no primeiro ano, o que corresponde metade do seu saldo atual), definindo também percursos de sucesso em mercados em vários pontos do globo. Ninguém imaginava, contudo, o que o futuro então guardava a uma cantora que, como reza a história, na hora de fazer a sessão fotográfica para a capa do seu primeiro disco, surgira sem ninguém a acompanhá-la e apenas com uma bolsa de roupas e bugigangas no braço no estúdio do fotógrafo Gary Heery. E que no dia seguinte regressaria, também por si mesma, para ajudar a escolher as provas…
Deixe uma Resposta