Quando se tem 17 anos
Texto: NUNO CARVALHO
Numa das cenas-chave de Chama-me pelo Teu Nome, Elio e Oliver, os protagonistas da quinta longa-metragem do italiano Luca Guadagnino, iniciam um diálogo à beira de uma estátua numa pequena praça em que o primeiro, apesar de ter apenas 17 anos, revela a sua invulgar cultura. Oliver, de 24, que já ficara surpreendido com o conhecimento musical e o talento para tocar piano de Elio, pergunta-lhe, com espanto e humildade, o que é que ele não sabe, respondendo-lhe o adolescente que não sabe nada do que realmente importa.
Neste caso, o que importa para Elio é o amor romântico, a vivência empírica e no plano da realidade praticável de um desejo e de um sentimento que urge não calar e reprimir, sob pena de não só não “florescer” e “crescer” numa idade-charneira (há até uma alusão à ideia de Lampedusa de que precisamos de mudar para continuarmos a ser os mesmos) como de não ter nada de verdadeiramente marcante para um dia lembrar da mais bela idade da vida. O dilema de Elio, ao qual ele responderá com coragem moral e emocional, é resumido pelas palavras que a mãe lhe lê do Heptameron de Margarida de Navarra: “É melhor falar ou morrer?”
Baseado no romance homónimo de 2007 do escritor americano de origem egípcia André Aciman (cuja adaptação contou com a colaboração do quase nonagenário James Ivory), Chama-me pelo Teu Nome tem como cenário a paisagem estival do Norte de Itália, em 1983, e centra-se na relação de gradual aproximação entre Elio (interpretado pelo magnífico Timothée Chalamet, que obteve uma nomeação para um Globo de Ouro e merece, por direito próprio, ser nomeado para um Óscar), um adolescente no limiar da maioridade que se envolverá, num crescendo de emoção e tensão latentes, com Oliver (Armie Hammer, aqui no papel de um homem com uma idade substancialmente abaixo da sua), um académico americano que o pai do rapaz convida para passar uns dias na casa de campo idílica da família para o ajudar nas suas pesquisas científicas (relacionadas com arqueologia e a cultura greco-romana).
Invocando a herança de Bertolucci (o fervor do erotismo) e de Visconti (na relação com a música), mas também o perfume melancólico e nostálgico de James Ivory, Guadagnino filma esta história de um primeiro amor fugaz e da educação sentimental de um rapaz num estilo diverso do que empregou nos mais recentes Eu Sou o Amor (2009) e Mergulho Profundo (2015), mas sempre com um olhar delicado, belo e sensual (não só no sentido sexual e corporal, mas também captando de forma estimulante e viva o esplendor da natureza ao redor ou até através de pontuais notas gastronómicas ou pequenas tiradas de humor como se fossem condimentos para dar sabor a um cozinhado bem preparado e apaladado). Para tal efeito contribui também a extraordinária direção de fotografia de Sayombhu Mukdeeprom (colaborador regular nos filmes de Apichatpong Weerasethakul e responsável também pela imagem de As Mil e Uma Noites de Miguel Gomes), a que se junta ainda uma banda sonora que ajuda a aprofundar o tom de crescendo emotivo do filme (e na qual pontificam dois belíssimos originais de Sufjan Stevens e uma remistura de uma canção do seu The Age of Adz).
“Chama-me pelo Teu Nome”, de Luca Guadagnino, com Timothée Chalamet, Armie Hammer, Michael Stuhlbarg e Esther Garrel, está em exibição numa distribuição da Big Picture ★★★★★
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