O quarto poder
Texto: NUNO GALOPIM
Há um momento (e isto não é fazer spoiler porque a história é verídica e conhecida) em que, tendo o caso sido resolvido em favor dos jornais e da liberdade de imprensa, alguém nota que o jornalismo serve os governados e não os governantes. Se em outros instantes de todo o filme não fossem óbvias as ressonâncias com o presente, naquele instante o que não deixa de ser uma representação histórica ganha voz clara no momento em que vivemos. O quarto poder é fundamental. E quando o poder usa a expressão “fake news” a torto e a direito um filme como The Post serve precisamente para lembrar que é da imprensa que pode chegar a verdade. E no fim vemos, afinal, onde estava o “fake” no meio de tudo isto.
The Post é uma cuidada e irrepreensível recriação do “caso” da divulgação dos chamados “Pentagon Papers”, um relatório sobre o envolvimento militar norte-americano depois da II Guerra Mundial, que cruzava as administrações de Truman, Eisehnower, Kennedy e Johnsson e rebentava, ao ser revelado, nas mãos de Nixon. Mais do que um simples filme sobre confrontos entre o jornalismo e política, The Post dá conta de como as distâncias por vezes são curtas e os dois lados têm afinal ligações e afinidades que, contudo, podem não impedir que a missão de relatar a verdade (que cabe ao jornalismo) se sobreponha a laços que podem vir de trás… Afinal, e no caso desta história centrada na redação do Washington Post, era tudo gente da mesma cidade…
É evidente que foi a urgência de agir perante um momento em que os EUA se vêem sobre uma administração que toma a imprensa como “o” inimigo que levou Steven Spielberg a lançar-se sobre The Post, ao mesmo tempo que avançava a criação de Ready Player One, um outro filme seu, certamente completamente diferente, que não tarda nada estará aí… De resto, os planos em que nos mostra a figura de Nixon, sempre através de uma janela da Sala Oval, sempre de noite, sempre ao telefone, ordenando ora o ataque aos jornais (o primeiro feito ao New York Times) ora o bloqueio dos jornalistas (e fotógrafos) do Washington Post no acesso à Casa Branca, em jeito de “castigo”, não deixam dúvidas sobre a ponte pretendida com o presente inquilino daquele mesmo espaço.
Claramente contextualizado na apresentação dos acontecimentos que precedem a trama e claro na sua exposição, atento ao detalhe (a máquina de escrever, os caracteres em chumbo a fazer uma primeira página, o edifício do jornal a tremer quando a rotativa arranca), The Post define entre o par Meryl Streep (a proprietária do jornal) e Tom Hanks (o diretor) a linha mestra de um subtexto que acompanha a trama, com eles levando-nos a debater (como espectadores) as relações entre o poder e a imprensa, assim como entre o papel dos jornalistas e a administração dos jornais. Um filme para todos e urgente. Para que se entenda porque é fundamental que não deixe de haver bom jornalismo. Sério e independente.
“The Post”, de Steven Spielberg, com Meryl Streep, Tom Hanks, Sarah Paulson, Bob Odenkirk, está em exibição entre nós, em distribuição pela NOS Audiovisuais.
Deixe uma Resposta