O homem encolhido
Texto: JOSÉ RAPOSO
No centro deste Pequena Grande Vida, o novo filme de Alexander Payne – o mesmo realizador que nos trouxe Os Descedentes e Nebraska (que continua a ser o seu filme mais conseguido) -, encontram-se duas questões muito atuais e que têm vindo a ocupar o pensamento contemporâneo, em áreas tão diversas como a tecnologia ou a filosofia: o consumismo e o modelo de sociedade na qual depositamos as nossas convicções e o nosso futuro; e os problemas ambientais e as alterações climáticas que colocam em causa a sobrevivência da nossa espécie num horizonte temporal não muito distante. No contexto da filmografia de Payne é o filme que nos parece mais “inesperado”, justamente pela forma como entra em diálogo com o universo da ficção cientifica e a capacidade que o género tem em chamar a si uma série de temas mais ou menos arrojados, fazendo com que problemas (aparentemente) inultrapassáveis sejam iluminados por uma nova lógica, ora afinal tão racional e absolutamente ao nosso alcance, ora (como é o caso de “Pequena Grande Vida”) mais retorcida e desprovida de grande validade cientifica ou consequências práticas. Em todo caso, quando questões como o “consumismo” e as “alterações climáticas” começam a ser amplamente representadas (mais do que “discutidas” ou “pensadas”) no campo da especulação cientifica, não se pode deixar de ficar com a impressão de que essa tendência para um certo escapismo mais inconsequente não augura nada de bom.
Em bom rigor, não se pode dizer que o filme se comprometa declaradamente a trazer para o grande ecrã um futuro para lá do nosso horizonte imaginativo – se é verdade que mobiliza alguns dispositivos da ficção cientifica estes nunca surgem enquanto repto ou incitação à acção política e social no presente, no “agora” do nosso tempo. A questão aqui é outra, e faz eco de outras preocupações que surgem pontualmente no cinema de Payne, nomeadamente aquela “fantasia de fortuna” que atravessa de uma ponta à outra o sonho americano, e que se cruzava com o enredo do anterior Nebraska. Mais do que imaginar outro futuro, aquilo que Payne apresenta não será muito mais do que uma cristalização, meio bizarra é certo, das ansiedades e desejos de uma classe média americana um pouco à deriva e desnorteada relativamente ao seu lugar no mundo.
Ficção cientifica, dizíamos, mas assaltada por uma comédia capaz de criar situações de humor com a sua graça, uma espécie de “querida encolhi os miúdos” versão Saramago: Paul Safranek (Matt Damon) e a sua mulher, Audrey Safranek (Kristen Wiig), decidem fazer parte de um projecto cientifico desenvolvido por cientistas noruegueses, que promete eliminar o impacto ambiental que os nossos padrões de consumo têm na ecologia do planeta, ao mesmo tempo que possibilita a redução dos custos de vida, promovendo assim uma inesperada (mais muito desejada) ascensão social. É ver para querer: a família Safranek (na verdade apenas Paul – Audrey acaba por mudar de ideias à última da hora) decide ser encolhida para uma escala numa miniatura muito reduzida para serem posteriormente relocalizados para uma colónia, a Leisureland, o local onde a nova “utopia consumista” ganha forma. O flime acompanha todo esse processo com uma atenção que quase poderíamos dizer documental, sempre com olho para momentos mais cómicos, mas é precisamente no seu terço final, quando Payne decide revelar o que se esconde por detrás desta utopia em miniatura, que a história mais se perde.
Não só esta Leisureland acaba por replicar os grandes contrastes da sociedade do nosso tempo, em particular no que no acesso à abundância ou conforto material diz respeito, como as alterações climáticas continuarão a ser uma ameaça à nossa sobrevivência enquanto espécie. Nada de particularmente surpreendente, ainda que o quadro que Payne nos propõe tenha o mérito de nos colocar a pensar sobre a nossa relação entre consumo e desigualdade social.
O que é particularmente lamentável é que a incursão pelo lado mais oculto da Leisurand seja feita recorrendo a um dos personagens mais unidimensionais e caricaturais de que há memória nos últimos tempos: uma ativista política de origem Vietnamita, que vai parar à colónia contra a sua vontade, cujo sotaque se torna motivo recorrente senão mesmo constante de um humor, a todos os títulos, primário. Não coloca em causa as ideias mais conseguidas do filme, mas não deixa de ser um espectáculo – não há mesmo outra palavra – penoso.
Ainda não sabia de filme… adorei a resenha e vou assistir com certeza
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