Quando a ficção habita perto da realidade
Texto: DIOGO SENO
Um dos encantos, talvez o maior encanto, de Greta Gerwig enquanto actriz é a forma como equilibra seriedade e leveza, sublinhando com ironia a “auto-importância” de um certo tipo de “juventude”. O que a distingue de Lena Dunham, mas mesmo assim a mantêm na descendência de um Woody Allen, por exemplo, é a compaixão que impede a ironia de se transformar em hipocrisia. Gerwig põe-se do lado das personagens, não acima delas.
Daí que não espante que o ponto forte da sua estreia enquanto realizadora seja a sua atenção ao elenco de personagens. Naturais e “exageradas”, elas devem ao cinema do citado Allen, ao de John Hughes, mas também ao dos realizadores com quem Gerwig tem trabalhado, nomeadamente Noah Baumbach. O tom das cenas cómicas deve igualmente a estes realizadores, mas com um aspecto que deve ser salientado: a “perspetiva” feminina por trás da câmara. Actriz a dirigir outra actriz, criou uma personagem feminina que, em idiossincrasia e charme, não deve aos “alter egos” de outros realizadores. Esta dimensão que parece autobiográfica encontra-se em vários aspectos do filme que são imbuídos de especificidade, sendo o principal o cenário. Sacramento, a cidade natal de Lady Bird, foi também a de Gerwig. Este é um filme com um sentido de lugar mais forte que outros dos que surgiram na categoria de melhor filme que nomeiam o seu espaço no título (o de Martin McDonagh, por exemplo…).
Christine, que num gesto de rebeldia mudou o nome pelo qual responde para Lady Bird, é a adolescente prototípica, à qual Saoirse Ronan dá a espessura dramática e o carisma, e que muito justamente seria reconhecida com o seu primeiro Oscar para melhor interpretação (à terceira nomeação e apenas com 24 anos). Está bem acompanhada por Laurie Metcalf, a mãe, numa obra que é tanto sobre a passagem da adolescência à idade adulta como sobre a “relação” entre mães e filhas (outro aspecto que pode ter a sua dimensão autobiográfica). Nessa qualidade o final é, ao mesmo tempo, honesto e comovente, por deixar esta relação complexa “resolver-se” de forma agridoce.
Talvez por realizadora e actriz estarem ainda perto da idade da personagem o trabalho de criação e composição desta tenha tido este resultado. Certo é que Lady Bird é daquelas coisas raras na ficção: uma personagem que poderia muito bem saltar do ecrã e sentar-se ao nosso lado na sala de cinema.
Linda resenha. Estou morrendo de vontade de ver esse filme.
Beijos
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