É lobo quem lhe veste a pele
Texto: NUNO GALOPIM
O Capitão, de Robert Schwentke, vem juntar-se a títulos como o clássico Alemanha, Ano Zero, de Roberto Rossellini ou o mais recente Lore, de Cate Shortland, para nos colocar entre os perdedores de um grande conflito militar global (a II Guerra Mundial). Ao contrário desses dois filmes, o primeiro filmado, in loco, na época, numa Berlim ainda em cacos, olhando o quotidiano de uma cidade devastada, o segundo acompanhando, através de filhos de uma família da elite, a derrocada de um regime, O Capitão respira o ar ainda mais gélido da linha da frente dos campos de batalha. É vivido entre soldados. E sobretudo desertores. Um deles começa mesmo por surgir em cena a tentar escapar das balas, escondendo-se no chão frio, até que encontra um carro abandonado de um oficial. Uma mala guarda uma farda intacta. E, ao vesti-la, o soldado Willi “transforma-se” no capitão Harold.
Inspirada numa personagem real, a história acompanha o modo como um homem em fuga se transforma pelo simples uso da farda que encontra naquele carro. Ao vestir a nova pele o perseguido transforma-se no perseguidor, encontrando em si uma voz de autoridade que, perante a patente, ninguém parece contestar. E se horas antes era um desertor que tentava fugir pela vida, o “capitão” resolve agir em nome de uma “missão especial” que lhe foi confiada bem “de alto”… E, com um sadismo de expressão neutra, resolve agir contra os que, tal como ele, mas sem a “sorte” de terem encontrado uma farda de capitão, são tratados pelos velhos colegas como meros desertores.
O Capitão explora o modo como a pele faz o lobo que a veste. Fala sobretudo de poder, de hierarquias, do medo e desespero que minam por dentro um sistema em tempo de derrota anunciada. Realizador alemão, Robert Schwentke regressa a “casa” após várias experiências americanas. E encontra aqui, com um elenco alemão, um sentido de realismo que traduz ecos do passado e que a opção pela fotografia a preto e branco (salvo num momento que traduz uma marca do presente real) tão bem soube potenciar. O medo expresso nas faces e corpos acrescenta uma dimensão tensa e real sobre os retratos de quem combateu pela Alemanha nazi de um modo diferente daquele com que muito cinema não alemão foi fazendo depois de 1945. Não se trata aqui de olhar para o outro, para o inimigo. Mas para heranças de si mesmos. E essas ressonâncias fazem de O capitão uma experiência ainda mais intensa. Tão intensa que lhe garante argumentos que o valorizam como uma das mais interessantes incursões recentes do cinema pelo universo da II Guerra Mundial.
“O Capitão”, de Robert Schwentke, com Max Hubacher, Milan Peschel, Frederick Lau, Bernd Holscher, Waldemar Kobus e Alexander Fehling, está em exibição entre nós.
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