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Texto: DANIEL BARRADAS

Quatro álbums por quatro mulheres marcam o início de 2018. São quatro murros no estômago, olhares pessoalíssimos sobre o mundo interior e exterior. Obras maiores que importa ouvir.

Laurie Anderson é uma artista que nunca pára e, embora a sua força maior esteja nas suas apresentações ao vivo, o seu regresso às gravações é sempre um evento. Desta vez vem (muito bem) acompanhada pelo Kronos Quartet. Landfall é um album inspirado pelo furacão Sandy, que afectou severamente Nova Iorque.

Entre (magníficas) partes instrumentais, Laurie conta algumas histórias da sua experiência pessoal como em Our street is a black river e segue para discorrer sobre as alterações climáticas ou sobre a extinção das espécies como no divertidamente aterrador Nothing left but their names, onde a sua voz distorcida para soar masculina, hipnotiza ainda mais do que o normal.

Este é um álbum de intervenção ecológica e o ângulo pessoal de Anderson confere-lhe uma angustiada urgência da qual é impossível escapar.

Laurie Anderson & Kronos Quartet, “Landfall”
★★★★★

Ao quinto album, Alela Diane dispôs-se a transpor um dos aparentes tabus da música, o de escrever sobre a experiência do parto e da maternidade.

No ano passado já tínhamos escutado o belo album Mother tongue de Rebekka Karijord sobre o mesmo tema, mas Alela Diane vai ainda mais longe e, para além de falar sobre a sua experiência de parto como em So tired, reflete também sobre a relação com a sua própria mãe em Never easy e em Emigré, inspirada pela foto da criança síria morta na praia que correu as notícias recentemente, tece um pequeno mantra sobre o medo que as mães têm de perder os seus filhos.

Em termos musicais, é talvez um album menos conseguido do que o magnífico “About farewell”, mas inspiração não lhe falta.

Alela Diane – “Cusp”
★★★★

A dinamarquesa Kira Skov compôs em The echo of you uma carta de adeus ao seu recentemente falecido esposo, o músico Nicolai Munch-Hansen. Este é também um album muito pessoal, que vai beber influências às fontes de inspiração do casal: Leonard Cohen, Joni Mitchell ou Bonnie “Prince” Billie, que participa ele mesmo em duas das canções, destacando-se o lindíssimo dueto Lilac sky.

O ponto alto é talvez o momento Beatles de Everything reminds me of you mas embora haja este jogo de referências a passar por todo o album, o resultado é genuíno e é difícil chegar ao final e manter os olhos secos quando se ouve algo como I tried to look into your eyes in a photograph today, tendo em conta a fotografia da capa do disco.

Kira Skov – “The echo of you”
★★★★

Quem já a viu ao vivo sabe que Jenny Wilson é uma força da natureza. Uma mulher com uma presença imponente e confiante. Não deixa portanto de ser ainda mais veemente a mensagem do seu mais recente album. Envolta em extraordinárias canções de base electrónica, aproximando-se do rap, Wilson como foi violada e como isso afectou a sua vida.

É um album duro, decidido a não desviar o olhar de um acontecimento traumatizante. O título do album, Exorcism é acertadíssimo.

Para o público é por vezes difícil conciliar a excelência das canções e dos arranjos com a crueza factual e directa das letras. Wilson não se recusa a ver-se como vítima, não esconde as sua fraquezas, medo ou traumas. Mas a sua coragem ao partilhar a sua história é a sua força.

O primeiro single, RAPIN* vem acompanhado de um extraordinário video de animação que urge ver também.

Jenny Wilson – “Exorcism”
★★★★★

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