50 anos depois, uma odisseia inesquecível
Texto: NUNO GALOPIM
Há filmes que não só inscrevem momentos maiores na história da arte como conseguem também contribuir para as mudanças de perceção da sociedade sobre temáticas aparentemente distantes. Foi assim com 2001 – Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, que chegou pela primeira vez aos ecrãs de cinema a 2 de abril de 1968. Um ano antes de Neil Armstrong e Buzz Aldrin terem pisado a Lua e até mesmo antecipando em alguns meses a primeira visão da Terra a partir de um outro mundo (que aconteceria em dezembro desse mesmo ano na órbita lunar feita pela missão Apollo 8), o filme de Stanley Kubrick chegava em plena corrida espacial. Estava no contexto. Mas de todo o deveremos alguma vez ler – como de resto sucede com toda a ficção científica – como arte divinatória. Pelo que, 50 anos depois, o que importa a quem tomar o filme como peça de referência da cultura do século XX seja uma análise dos muitos valores (cinematográficos, narrativos, técnicos e até mesmo sociais) que colocou em cena e não um mero registo do “deve e haver” sobre o que de facto aconteceu na cronologia da exploração espacial.
É difícil superar 2001: Odisseia no Espaço, sendo praticamente unânime apontá-lo como o melhor filme de ficção científica de todos os tempos. O perfecionismo, a visão e o poder na indústria de então de uma figura como Stanley Kubrick são apenas alguns dos muitos fatores que contribuíram para fazer deste filme um marco na história do cinema. Apesar dos mundos e fundos levantados para produções como Metropolis (nos anos 20) ou Forbidden Planet (nos anos 50), nunca antes uma produção desta envergadura tinha sido colocada ao serviço de um título do género. E só o claro investimento (técnico e artístico) permitiu a Kubrick um semelhante feito, ainda hoje sem par na história da relação da ficção científica com o cinema. Importante desde o inicio do projeto foi o entendimento e a capacidade de trabalho conjunto entre o realizador e o escritor Arthur C. Clarke, que, a partir de ideias de alguns contos seus, desenvolveu o argumento ao mesmo tempo que escrevia o livro. Literatura e cinema em diálogo, portanto.
Dividido em três partes, mais um epílogo, o filme trata no fundo da constatação de um primeiro encontro entre o homem e formas de inteligência extra-terrestre. Numa primeira sequência somos transportados para África, nos tempos da aurora da humanidade, num tempo em que um grupo de símios descobre a utilização de objetos como ferramenta (e arma). Já num futuro não muito distante rumamos depois à Lua, onde elementos da base americana encontraram um monólito (ali enterrado há quatro milhões de anos) que transmite um sinal para as imediações de Júpiter e é em tudo igual ao que vimos nas imagens da sequência de abertura. Na mais longa (e terceira) sequência acompanhamos uma missão a Júpiter que parte em busca do destino das emissões do monólito, mas aí a história desvia o seu foco de atenções para um espantoso ensaio sobre a relação do homem com a máquina.
Se o deslumbramento das imagens é um dos argumentos maiores em favor de 2001: Odisseia no Espaço (e convém aqui realçar o trabalho de efeitos visuais de Douglas Trumbull), a verdade é que, mesmo com um final intrigante e mesmo difícil de explicar, também a força narrativa e literária da história criada por Arthur C. Clarke lança novas ideias, fazendo deste filme uma obra maior em todos os sentidos. A música – usando elementos de gravações de obras de Richard Strauss, Johann Strauss, Katchaturian e Ligeti – é outra das características mais marcantes do filme. De resto, é impossível ver 2001 sem, daí em diante, associar o Danúbio Azul de Strauss a uma bela dança sideral para nave e estação espacial em plena órbita terrestre.
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