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Um manifesto para a idade das imagens

Texto: JOSÉ RAPOSO

É uma proposta arrojada, e uma das estreias mais singulares do ano. O filme realizado por Julien Rosefeldt, agora estreado nas salas nacionais, reúne numa nova montagem aquilo que foi inicialmente pensado enquanto instalação vídeo multicanal – 13 projeções simultâneas com Cate Blanchett no centro das atenções.

O filme realizado por Julien Rosefeldt, agora estreado nas salas nacionais, é um projecto que foi pela primeira apresentado em 2015 no Australian Centre for the Moving Image em Melbourne, na Austrália. A versão agora estreada, reúne numa nova montagem aquilo que foi inicialmente pensado enquanto instalação vídeo multicanal – 13 projeções simultâneas com Cate Blanchett no centro das atenções, num papel a vários títulos performativo (dá corpo a vários personagens que recitam excertos de variadíssimos manifestos, mas também encena a sua própria celebridade) dedicado a uma tradição literária que ao longo do século XX teve um papel relevante na relação entre o artista e o mundo: o manifesto.

Rosefeldt justapõe a dimensão aurática de uma estrela como Blanchett com um conjunto de textos que, assim reunidos, traçam uma panorâmica daquilo que foi – e do que pode ainda vir a ser – a relação do artista com a sociedade do seu tempo. O aspecto crucial da proposta de Rosefeldt, e absolutamente a sua maior qualidade, não passará tanto pelo lado mais “espetacular” da performance de Blanchett (esse lado mais pirotécnico senão exuberante que já lhe reconhecíamos desde I’m No There, onde compunha um retrato-mosaico de Bob Dylan), mas sim pelos diversos contextos em que Rosefeldt insere os manifestos. É nessa recontextualização que a subjectividade de Rosefeldt se faz sentir, fator aliás compreensível quando atendemos à linguagem cinematográfica que decidiu convocar: um pastiche deliberado de um conjunto de lugares comuns de um modelo de cinema que diríamos “institucionalizado”, com travellings e movimentos de grua, ou ainda os recorrentes grandes planos sobre o rosto de Blanchett a assumirem um papel preponderante, e que no seu conjunto constituem um meta-comentário.



Nesse sentido, podemos mesmo falar de uma dupla recontextualização: por um lado, uma tradição literária que historicamente estabeleceu laços estreitos com aquilo que se tem vindo a designar por “vanguarda”; por outro, pela apropriação dos códigos do cinema enquanto paradigma de “espectáculo”. Deste cruzamento resultam situações (passe a expressão) com algum fulgor crítico, senão mesmo pertinência, que resultam em larga medida pela força conceptual da proposta de Rosefeldt. Um exemplo: numa das sequências iniciais, o Manifesto Futurista, publicado em 1909 por Filippo Marinetti é performado por Blanchett (a maior parte do tempo fora de campo) numa enorme sala de uma bolsa de valores. Assombrosa (para não dizer deprimente), a noção de que aquele momento do futurismo veio desaguar no controlo logarítmico do mundo. Ou, uma das sequências mais engraçadas – é um filme com um certo humor – lá mais na reta final (são 13 personagens diferentes no total), quando o manifesto de Sol Lewitt dedicado à arte conceptual serve de suporte para um noticiário televisivo.

No que respeita ao campo do cinema, Rosefeldt reuniu um conjunto de peças mais ou menos conhecidas (textos de Jarmusch ou Stanley Brakhage, passando pelo Dogma 95 de Lars Von Trier) que são encenadas numa sala de aula com crianças, num tom que tem tanto de pedagógico como de auto-reflexivo.

É uma proposta arrojada, e uma das estreias mais singulares do ano.

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