O mundo real de Janelle Monáe
Texto: NUNO GALOPIM
Janelle Monáe gosta de juntar narrativas às canções que grava quando chega a hora de editar um novo álbum. E depois de ter apresentado em The ArchAndroid (2010) e The Electric Lady (2013) alguns momentos de um ciclo maior ao qual chamou Metropolis (e no qual ela mesma se apresentava na forma de um alter-ego andróide), eis que faz do seu terceiro álbum, Dirty Computer, um momento que, sem perder este foco na criação de um conjunto de personagens e situações concetualmente interligadas, opta antes por deixar os patamares da ficção mais longe para se concentrar em ecos da realidade, ora falando do mundo seu redor ou até de si mesma.
A América do presente e questões do foro identitário desenham por isso a medula temática de um disco atual e incisivo. Que sabe ser direto nas palavras e intenções mas que não deixa de ter em conta a continuação da exploração de uma estética “pop” (no sentido lato) contemporânea, abraçando a contemporaneidade de formas da pop, do rhythm’n’blues e do hip hop, ao mesmo tempo vincando (mais do que nunca antes) linhas de relacionamento possível com heranças captadas em outros tempos. É por isso curioso que, no mesmo disco em que tematicamente está mais próxima de si mesma (mantendo também fixa uma equipa criativa que a tem acompanhado), apresente um mais forte leque de colaboradores, que vão de Brian Wilson ou Stevie Wonder a Grimes ou Pharell Williams. Não creditado no álbum está ainda Prince, de quem se diz que estava a colaborar com este projeto por alturas da sua morte, escutando-se a sua presença em alguns instantes, e sendo clara uma homenagem a si em Make Me Feel, uma das canções que mais bem acolhe heranças da fase pop minimalista que o pequeno grande músico tão bem desenvolveu na segunda metade dos anos 80.
Se The ArchAndroid foi uma revelação (e um dos grandes discos da viragem da primeira para a segunda décadas do século), Dirty Computer junta agora à obra de Janelle Monáe um sólido novo conjunto de canções que poderão somar argumentos aos que em si encontram um daqueles raros casos de figuras que tanto cativam atenções em esferas mais alternativas como podem alcançar o coração do grande circuito mainstream. Não se junte, contudo, o termo “cedência” aos que definem este jogo. E basta ver o filme “emocional” que acompanha este disco para que fique claro que, no fim, é de expressão de identidade que aqui se fala. E bem.
“Dirty Computer”, de Janelle Monáe, está disponível em CD e nas plataformas digitais em edição da Warner Music.
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