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Que verdades se escondem por detrás da mentira?

Texto: NUNO GALOPIM

Trinta anos depois da sua primeira curta metragem o francês François Ozon é autor de uma das mais impressionantes filmografias entre os realizadores da sua geração. “Frantz”, inspirado por um clássico pacifista de 1932 de Ernst Lubitsch, junta mais um momento feliz a uma obra cheia de grandes filmes.

Os nacionalismos, a xenofobia, os ódios coletivos, são comportamentos que habitam o cenário que acolhe a descoberta de uma narrativa carregada de mentiras e suaves e progressivas revelações que encontramos no magnífico Frantz, o mais recente filme do realizador francês François Ozon. Inspirado por O Homem Que eu Matei (1932) de Ernst Lubitsch, Frantz parte dessa memória para, através de uma história passada pouco depois do armistício que colocou fim à I Guerra Mundial, traduzir afinal ecos de atitudes que, um século depois, continuam entranhadas na humanidade, mesmo que em contextos geopolíticos e sociais diferentes.

Frantz leva-nos a uma pequena cidade alemã em 1919 na qual uma jovem, que perdera o noivo nos campos de batalha, repara a presença de um estranho que, tal como ela, visita a campa do desaparecido Frantz. A presença de um francês numa terra alemã é imediatamente fonte de incómodos, despertando sentimentos de repulsa e ódio que as mortes de entes queridos durante a guerra vincara e que o armistício não apagara.

O jovem francês apresenta-se a Anna e aos pais do falecido soldado alemão como tendo sido um amigo de Franz nos dias em que este estudara em Paris. Do choque original pela mera presença de um francês em sua casa ao aceitar da paz que é subitamente trazida por alguém que estabelece elos de ligação com o desaparecido, a família de Frantz passa a acolher com alegria e serenidade as visitas regulares de Adrien, figura que desperta inclusivamente em Anna sentimentos que julgara mortos.

Ao mesmo tempo a população da cidade reage ao intruso e, sobretudo, ao modo como a família de Franz o recebe em casa. Este é, contudo, o primeiro de uma série de ciclos de acontecimentos, que se sucedem quando descobrimos que, uma após outras, há mentiras e verdades escondidas nas histórias que se vão desenrolando. O que ligava de facto Adrien a Frantz? E o que o impeliu a ir à Alemanha visitar a sua família?



Cautelosa e lentamente, sem resvalar para o que pudesse ser tomado como óbvio, e lançando eventualmente pistas para algumas mais interpretações, Onzon junta um quadro de Manet à equação que fez de Frantz mais um título excecional. E vale a pena lembrar aqui que passam em 2018 trinta anos sobre a sua primeira curta e que a sua filmografia é das mais vastas e sólidas entre os cineastas europeus da sua geração.

Além de ser um primor narrativo e na realização, Frantz é também um belo exercício visual inspirado pela Alemanha rural da alvorada do século XX, sendo de resto frequentes os momentos em que sentimos ecos da saga Heimat, de Edgar Reitz, e de O Laço Branco, de Haneke, tanto na opção pelo uso do preto e branco na fotografia (apesar de momentos com cor) como pela cuidada direção artística que assegura um rigor nas recriações de tempo e espaço, valor que a presença bilingue do inglês e do alemão igualmente sublinha.

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