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O primeiro olhar completo pela obra sinfónica de Arvo Pärt

Texto: NUNO GALOPIM

As quatro sinfonias de Arvo Pärt surgem pela primeira vez reunidas num mesmo disco. Três delas correspondem a obras dos anos 60 e 70, anteriores portanto ao período em que o compositor se tornou numa personalidade globalmente reconhecida.

Foi no final da década de 70 e na alvorada dos anos 80 que, entre composições assinadas e gravações editadas, uma voz se afirmou entre a primeira geração de compositores europeus influenciada por ecos do minimalismo americano. A sua associação à ECM Records, iniciada publicamente em 1984 com a edição do marcante Tabula Rasa, revelava em Arvo Pärt um compositor já claramente focado numa demanda pessoal bem distinta em busca de um lugar nas periferias do silêncio, numa zona em que se cruzavam ecos de músicas de outros tempos. Se peças como Fratres ou Alina definiram uma visão pessoal da assimilação das sugestões dos minimalistas, em obras de fôlego maior como Arbos ou Passio lançou pistas para um trabalho que teve na voz (sobretudo em coros) um destino cada vez mais presente e consequente. O tempo foi focando atenções nesse processo de construção de uma visão pessoal, quase esquecendo o que fora o percurso anterior do compositor, sobretudo no período em que, ainda antes de encontrar residência fixa na Alemanha, se fez numa Estónia que era, então, uma república da URSS, e onde passou por episódios de tensão com as autoridades.

Quando se associou à ECM e encontrou uma plateia global, Arvo Pärt tinha já três sinfonias compostas. As duas primeiras, respetivamente de 1963 e 1966, revelavam sinais da presença do dodecafonismo, havendo quem tenha notado (com razão), afinidades com Webern na Sinfonia Nº 2. Datada de 1971, a Sinfonia Nº 3 revela já marcas de inflexão no rumo da música de Arvo Pärt no sentido daquelas que seriam as suas referências e fontes de reflexão posteriores, da música renascentista à busca de espaços mais próximos do silêncio. Bem mais recente, a Sinfonia Nº 4 nasce 38 anos depois da terceira, tendo-se apresentado com o sub-título “Los Angeles” em virtude do facto de a orquestra que a estreou ter sido uma das entidades a solicitar a sua encomenda. Se as duas primeiras eram reflexos de alguém a lidar com o que eram ainda tendências dominantes entre a escrita orquestral de então e se a terceira representava sobretudo sinais de pistas de descoberta pessoa, a quarta, tantos anos depois, apresentou uma música com uma dimensão de quem, depois de resolvido o conflito linguístico pessoal, olha, de outra forma, o mundo em seu redor.

Não é de todo invulgar vermos marcas de reflexão, no mundo das artes, de sinais do mundo político de então. De resto, no arco de vida do nosso tempo, Steve Reich lembrou a memória do jornalista Daniel Pearl nas suas Daniel Variations, John Adams recordou o sequestro do navio Achille Lauro em The Death of Klinghoffer e Osvaldo Golijov evocou Garcia Lorca na ópera Ainadamar, para citar apenas alguns exemplos. Arvo Pärt, que centrara grande parte da sua obra nas últimas décadas na exploração de textos religiosos na expressão de um relacionamento com a cultura cristã ortodoxa, fez da sua Sinfonia nº 4 uma dedicatória ao russo Mikhail Khodorkovsky, preso desde 2003. Contudo, e como o próprio compositor referia citado num texto que acompanhava a primeira gravação da Sinfonia N.º 4, esta música não deverá ser entendida num contexto exclusivamente político já que Pärt a vê antes como a “expressão de um grande respeito por um homem que encontrou um fundo moral numa tragédia pessoal”, justificando o tom trágico da obra como “não uma lamentação por Khodorkovsky mas uma vénia ao grande poder do espírito (…) e da dignidade humana”.

As três demandas sinfónicas sobretudo estéticas (se bem que lhe tenham valido confrontos com o poder soviético) e esta quarta obra, mais carregada de significados, surgem pela primeira vez reunidas num mesmo disco, num conjunto de gravações pela NFM Wrocław Philharmonic, sob direção de Tõnu Kaljuste. De todas estas obras, até aqui, só a quarta sinfonia estava representada no catálogo da ECM, na versão que correspondeu à sua estreia em disco em 2010, pela Los Angeles Phiharmonic, dirigida por Esa-Pekka Salonen.

“The Symphonies”, de Arvo Pärt, pela NFM Wrocław Philharmonic, sob direção de Tõnu Kaljuste, está disponível em CD e nas plataformas digitais em edição da ECM/Dargil.

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